sábado, 25 de junho de 2011

Alquimista

Quantas vezes pensei ter errado.
Quantos dias pensei estar perdido.
Pensei ter perdido
meu caminho, meu amor,
minha vida.

Por dias imaginei;
caminhe, caminhei e caminhei,
sem saber onde ir,
perdido me entreguei.

Porém, olhando o sol esta manhã,
vi que eu não estava errado,
que eu não estava perdido;
eu apenas pensava e agia
diferente dos outros.

Meu erro não foi estar errado,
mas acreditar que os outros estavam certos.
poesia de Nótlim Jucks

Quando o Espírito Aquieta
Esta publicação encerra a trilogia: Paladino, Poeta, Alquimista – e é também minha homenagem de despedida ao meu grande amigo Ibrahim Talmur, meu mestre, o mestre Issa. Ele embarca hoje para Colônia, ou Köln, onde moram seus filhos. E a parte boa desta despedida – se assim puder ser dito – é que eu jamais esperava pelo presente que recebi. O velho Talmur fez como que uma ata, de cada uma das conversar que tivemos durante um ano de amizade sincera – que para mim valeu por uma vida – cujas anotações ele me presenteou.

Então, como o próprio mestre Issa me disse: "Meu jovem amigo, talvez essas anotações ajudem você a vencer a preguiça de concluir seu livro. Mas na verdade são as lembranças de um velho viajante, cuja maior viagem foi compartilhar as experiências com um bom ouvinte."

O estranho, é que apesar da felicidade pelo meu presente, talvez o que fique no fim, seja uma ponta de decepção. Minha decepção, de por muitas vezes não poder dar mais as pessoas, ou de simplesmente não ser como elas gostariam que eu fosse. Espero que o mestre Issa leve de mim, tantas boas lembranças quanto as que irei guardar dele, pois é meu eterno desejo, que compartilho neste Blog, que apesar de talvez eu não ser quem você gostaria que eu fosse, que sendo EU, você goste de quem eu sou.

Quinta-feira saí com um pessoa maravilhosa; curiosa, ousada e ao mesmo tempo introspectiva; que me fez lembrar uma frase de Cecília Meireles: "Há pessoas que nos falam e nem as escutamos, há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam, mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre" – eu talvez a tenha decepcionado, mas ela deixou sua marca em mim. Acontece que nossas decepções são frutos de nossas expectativas, ao passo que nossas expectativas são resultado da equação entre nossa imaginação e a realidade. Em que é preciso haver uma conexão; não havendo, o resultado é decepção. Acontece todo dia, com todas as pessoas, o que precisamos é tirar o melhor de cada um destes acontecimentos.

Por que isso tudo? Porque falar de decepção, se eu deveria estar feliz com o presente que ganhei do mestre Issa.

Porque, hoje estou feliz e triste – respectivamente, pelo meu presente e pela partida de um amigo. E isso me remete a minha infância, a uma ocasião bem particular, que transformou meu pequeno mundo e mais tarde me colocaria em uma busca extraordinária.

Minha mãe sempre foi muito religiosa, tanto que quase virou freira – não fosse meu pai resgatá-la; não que ela não estivesse bem na companhia do Senhor, mas não acredito que algumas coisas sejam necessárias para se estar na companhia de Deus. Continuando então.

Quando eu era pequeno, sempre participava de reuniões religiosas como terços, novenas, entre outras. E em particular, a novena me chamou muito a atenção, pois para mim – naquela época – eram nove dias que você deveria se dedicar a Deus, para Ele atender uma necessidade sua; a cura de uma doença, o auxilio em uma situação adversa, etc.

Super-Homem
Qual era a minha necessidade mais urgente na época? – Me tornar o Super-Homem!

Nada mais justo do que eu me dedicar nove dias a Deus – o que para uma criança é um teste de disciplina extraordinário – para Ele me transformar no Super-Homem. Para mim, era simples assim, eu me ajoelharia diante de uma vela por nove dias, rezaria uma porção de Pais-Nosso e Ave-Marias, e quando terminassem os nove dias eu seria o Super-Homem.

Qual foi minha surpresa? No fim do nono dia, eu era simplesmente eu, nada mais, nada menos. O mesmo garoto franzino de sempe. O que logicamente causou uma decepção monstruosa em minha pequena pessoa e fez com que eu me afastasse de Deus por quase uma década.

Maktub
Foi na década de 90 que fiz as pazes com o Todo-Poderoso. Graças a um pequeno livro de capa roxa, com contos escritos por um tal Paulo Coelho (Maktub). E incrivelmente foi aí o inicio da minha busca espiritual, que de alguma forma me levou a monges escondidos em montanhas, civilizações perdidas e muito mais.

Havia surgido em mim uma paixão por Deus e sua criação, uma paixão diferente da que eu havia aprendido no catecismo. Uma paixão que transformaria tudo que sou. E hoje posso dizer, que uma garota com nome de princesa e um livro com contos despretensiosos, mudou minha vida, mudou minha forma de ver o mundo e tratar as pessoas.

Assim, trago para vocês a compilação de um texto de Lori Nelson e Michael Eidridge, que me foi apresentada pelo mestre Issa, e que resume – não em poucas palavras, mas em muitas – minha curiosa busca pelo Divino, minha empreitada filosófica pela alquimia.

Ceópatra, rainha do Egito
A trilha da alquimia começa no Egito, 5.000 anos atrás, um pouco antes da ascensão dos grandes faraós, da invenção dos hieróglifos, dos criptogramas e bem antes de Cleópatra – a rainha mais famosa da antiguidade.

Os egípcios documentavam sua historia e religião, e desenvolveram sistemas complexos de astronomia, astrologia e geometria. Eles acreditavam que este poderoso conhecimento vinha do deus Thoth; que era o deus egípcio da sabedoria, deus da escrita, da astronomia, da matemática e da ciência. E apenas os sacerdotes com treinamento especial tinham acesso ao conhecimento secreto de Thoth – Imhotep, o construtor da primeira pirâmide foi um destes escolhidos.

Thoth e o Autoconhecimento
Thoth também era considerado como aquele que ensinou as artes de autoconhecimento – realizado através de trabalhos com a consciência – ao Homem; há quem acredite que ele era uma pessoa que foi deificada por suas realizações, outros acreditam que era uma entidade mítica desde o inicio.

As lendas dizem que o livro de magia escrito por Thoth continha os segredos dos deuses. Considerava-se que o "Livro de Thoth" estava situado num plano astral, ele não era um objeto físico em si, mas algo a que só se chegaria numa viagem de consciência. O que provavelmente é uma das mais antigas ocorrências transcendentais da humanidade, em que um indivíduo poderia atingir um estado especial da mente e contatar as energias de Thoth, onde pudesse encontrá-la e ser guiado por ela.

Só é possível descrever o "Livro de Thoth", olhando para as construções egípcias, como as pirâmides, ou a esfinge, e entender que os ensinamentos ali contidos são as paginas do "Livro de Thoth". Portanto todas as medidas, todas as palavras, todos os conceitos, são parte do livro, o qual jamais foi encontrado, pois o deus teria ordenado que fosse enterrado sob o Nilo e protegeu seus segredos com uma maldição.

Os arqueólogos modernos acabaram descobrindo que muito do conhecimento que os egípcios creditavam a Thoth, são de civilizações ainda mais antigas, como exemplo os babilônios. Que 4.000 a.C., calcularam os movimentos planetários, inventaram o ábaco, o primeiro sistema de seqüência numérica e as primeiras formas de astrologia e de astronomia. Este conhecimento se espalhou pelo Egito e ajudou a desenvolver uma das maiores culturas da historia. Mas assim como os egípcios, os babilônios atribuíam seu conhecimento ao Divino. Todo templo era um observatório, um local para estudar os planetas.

E os movimentos dos planetas pelo céu costumavam ser considerados as pegadas dos deuses e deusas, e quando os planetas se alinhavam, ou sofriam interações, ou um retrocedia enquanto outro avançava, acreditava-se que tudo isso afetava o mundo.

O estudo destes fenômenos se desenvolveu no Egito, num sofisticado sistema de rituais e cerimônias concebidos para contatar os deuses que governavam nosso mundo. Os egípcios se valiam destas praticas para tentar influenciar coisas como o sucesso nos negócios, ou na colheita; eles recorriam a rituais, a encantamentos e a símbolos com intuito de conseguir todas essas coisas. O próprio faraó era o líder religioso, então provavelmente ele era o mestre praticante, tanto da religião, quanto da alquimia.

Quando os mercadores fenícios espalharam estes conhecimentos pelo mundo mediterrâneo, a alquimia se disseminou. Eles codificaram o alfabeto, que alinhava os sons da fala, o sistema numérico, os signos zodiacais, os planetas e os aspectos do céu. Então se podia com esse alfabeto, conjurar palavras sagradas; se podia contar, avaliar, calcular e usá-lo na astronomia.

Em 1212 a.C., morreu Ramsés II, o ultimo grande faraó do Egito. Exércitos invasores conquistaram o império do Nilo e seus segredos se perderam – mas não para sempre. Após o declínio da extraordinária cultura do Egito, outra civilização se sobressaiu, a Grécia. Que se tornou um expoente no século VI a.C., com ajuda de uma das mentes mais prodigas da historia: Pitágoras.

Pitágoras Recomenda
O nosso alfabeto, as construções que nos cercam e mesmo a musica que ouvimos, tem uma divida com este brilhante filosofo. Em sua busca por sabedoria, Pitágoras viajou incansavelmente procurando por conhecimento culto, que ele encontrou em escolas de mistérios distribuídas por muitas culturas diferentes. Pitágoras sintetizou os elementos dessas escolas numa nova disciplina, a filosofia, e em sua base estavam os números. Pois ele acreditava que matemática, filosofia e uma compreensão do Divino eram inseparáveis.

Não podemos dizer que Pitágoras originou nada, mas ele condensou e trabalhou o conhecimento daquele mundo e o trouxe para aplicações praticas. Ele identificou os números como os elementos mais fundamentais da criação e quando olhamos para a ciência da nossa época, percebemos que todo o mundo está repleto de constantes matemáticas, que usamos para os mais variados fins.

Em 518 a.C. Pitágoras abriu uma escola na região de Crotona, ao sul da Itália. Seus discípulos, cautelosamente selecionados eram chamados de matemáticos. Sua iniciação era rigorosa – três anos introdutórios, seguidos de cinco anos de silêncio absoluto, mais cinco anos de treinamento – só então os estudantes estavam prontos para aprender os mistérios mais sagrados dos números.

Pitágoras queria produzir filósofos como ele, então era preciso que fossem circunspectos e ter muito autocontrole para conseguir ficar em sua escola. Ele transformou o sistema numérico dos babilônios, em uma ciência sagrada. Assim os pitagóricos pensavam que os números eram como Deus, então conectar-se com eles era como conversar com Deus. Surgindo disso, muitos dos simbolismos existentes até hoje, a numerologia, a cabala e outras. E em suas viagens, Pitágoras descobriu que as escolas de mistérios partilhavam a crença de que toda a criação se unifica em Deus.

Ele fez uma obra enorme explicando o mistério dos números, mostrando como o "um" se divide e vira "dois", o "dois" encontra a síntese e faz "três" e o "três" se rompe e vira as dez mil coisas do Universo. E a mesma história pode ser lida no I-Ching e outros documentos metafísicos antigos. Porque todo o mundo estava tentando entender como os números se relacionam com o todo.

Muitos creditam a Pitágoras e sua escola, o desenvolvimento da numerologia e do eficiente alfabeto grego, posteriormente adotado por toda cultura ocidental. Pitágoras também usou números para decodificar a musica, que os gregos consideravam a linguagem dos deuses. Ele inventou o monocórdio, que definiu a proporção numérica das escalas musicais e por fim, ele acreditava ter solucionado os mistérios do Universo.

Porém, a exclusividade da escola de Pitágoras causou sua queda. Em 508 a.C. a escola principal foi incendiada e outras foram atacadas e destruídas, com seus seguidores perseguidos até sua extinção. Desta forma, Pitágoras teve que fugir para o campo e morreu por lá, sem que ninguém saiba o que aconteceu. Alguns acham que ele cometeu suicídio, outros que teve uma morte natural, mas é um mistério, ninguém tem certeza do que aconteceu ao filosofo.

Gerações posteriores de gregos se pautaram na filosofia de Pitágoras, e Aristóteles a transformou em ciência. Mas então veio o Cristianismo e nos mil anos seguintes a religião cobriu de sombras a ciência e a alquimia. E durante os primeiros quinze séculos do cristianismo este conhecimento ficou relegado à clandestinidade.
Os Doutores da Igreja
Quando a consolidação judaico-cristã da espiritualidade ocidental se tornou um modelo obrigatório, a alquimia passou para a marginalidade e se tornou um assunto proibido e maldito. Pois os padres eram os intermediários entre as pessoas e o Divino. E o cristianismo exerceu uma influencia política sem paralelos.

A igreja desenvolveu uma hierarquia, assim como a idéia de que Deus falava através do Papa, que transmitia seus desejos para os demais. Ela se firmou através de alguns monarcas, insistindo em seu acesso exclusivo a autoridade Divina. Excluindo assim o Homem do contato direto com Deus, pois como em qualquer situação, se todo mundo pode fazer, você não pode dizer que seu grupo é especial.

Por séculos a Europa ocidental viveu sobre o controle da igreja, e na idade média a alquimia se tornou um ato de rebeldia perpetrado como um ato anti-igreja, contra a autoridade da igreja. Então a igreja perseguiu os alquimistas, condenando-os por acreditar que o individuo poderia ter acesso direto a Deus.

Mas mesmo perseguidos eles insistiam em levantar a voz: "Vocês não precisam de nada disso; o que vocês precisam é procurar dentro de vocês mesmos pela faísca Divina."
As Cruzada, de Gustave Doré
Mas no século XIV a alquimia viria a se reerguer. Ironicamente, parte da responsabilidade disso, coube a guerra santa da igreja: as cruzadas. Os monastérios do leste, na fronteira com o mundo muçulmano haviam preservado textos antigos dos gregos e dos alquimistas. E estudando-os por curiosidade, os cruzados retornaram levando grande numero destes documentos para Europa. E essa redescoberta alimentou um renascimento cultural extraordinário.

Neste ponto as pessoas começaram a perceber que os antigos tinham muita sabedoria. Então começou a surgir um tipo de reverencia as tradições egípcias, gregas, romanas e hebraicas, porque as pessoas estavam em busca de conhecimento e informação, e queriam entender os segredos dos antigos.

A renascença trouxe um novo espírito de aprendizado e academias se espalharam por toda Europa; no século XV, Marcelo Fachini fundou uma academia das mais progressistas da Itália. Com apoio de seu mecenas, Cosimo di Medici, Fachini adquiriu e traduziu uma coleção de documentos de autoria creditada a um misterioso mago egípcio, chamado Hermes Trismegistus. Os livros eram uma série de diálogos, onde o deus Hermes e outros transmitiam os segredos do Universo.

Alegoria Alquimímica da Tábua de Esmeralda
Um dos documentos era uma pequena peça chamada "A Tabua de Esmeralda", que se tornou a bíblia dos alquimistas renascentistas. Nesta tabua estava escrito: "Assim no céu como na terra." – porque havia a idéia de que o padrão do Universo se repete na Terra.

O Corpus Hermeticum restabelecia um ensinamento das primeiras escolas de mistérios, de que os seres humanos possuem uma natureza divina. E essa é a grande meta da iniciação hermética: transcender nossa mortalidade para voltarmos ao nosso estado original de unidade espiritual.

O Corpus Hermeticum fascinou os acadêmicos renascentistas e resgatou a alquimia. Poderia então a idéia, de que os seres humanos têm um canal direto com Deus, suplantar a autoridade da igreja? A descoberta do Corpus Hermeticum durante a renascença criou uma nova geração de alquimistas. Eles procuravam combinar religião, ciência e magia, uma perigosa empreitada em uma sociedade regida pela igreja.

John Dee foi à encarnação ideal de um ser iluminado, de um ser que teve a compreensão espiritual de seu papel e missão de vida. E era dotado de uma inteligência superior. Mas assim como Pitágoras ele pagaria um grande preço por ousar investigar a sabedoria dos deuses. Como bom renascentista, Dee seguiu os passos de Paracelso, e se valeu da experimentação, tornando-se um cientista talentoso, era também um inventor, matemático, criptografo brilhante e pioneiro no campo da navegação.

Mas ele também era um alquimista, um feiticeiro e astrólogo. Desse modo seus interesses eram essencialmente estar em sintonia com o pensamento de seu tempo, que não havia uma distinção clara entre magia e ciência; o que ele fazia então era tentar compreender o mundo a sua volta.

Quando a rainha Elisabeth assumiu o trono da Inglaterra em 1558, ela nomeou Dee o astrólogo da corte, mas sua influencia foi muito além dessa posição. O famoso mago da Inglaterra também era um espião da rainha. Ele se envolvia em intrigas políticas, era um aliado de confiança da rainha, mas também trabalhava nos bastidores em toda a Europa, para ajudar a diminuir o poder da igreja católica e colocar o poder da igreja protestante em seu lugar.

John Dee conferencia com a realeza
Guiada por Dee, a rainha Elisabeth legitimou oficialmente a ciência oculta mais significativa da renascença, a alquimia. E os alquimistas tinham duas metas, curar doenças e transformar metais básicos em ouro. Eles acreditavam que obteriam sucesso ao encontrar a "Pedra Filosofal", um agente místico que também levaria os alquimistas a um elevado estado de consciência. A alquimia existia desde os antigos egípcios, mas nas mãos dos cientistas renascentistas atingiu outros patamares.

Tudo o que sabemos e fazemos hoje na ciência moderna, foi desenvolvido pelos alquimistas. Técnicas de laboratório eram parte da tradição alquímica, a observação de resultados e o método científico, são filhos da alquimia, os alquimistas estavam na vanguarda da ciência. Eles descobriram o fósforo, o zinco, a destilação do álcool, a natureza microscópica das doenças; eles foram os primeiros a entender como o sangue circula no corpo. E a igreja via seus experimentos heterodoxos e avanços científicos com suspeita crescente.

Eles estavam acelerando o que a natureza faz, acelerando a velocidade de transformação dos metais, acelerando a velocidade de interação das substancias e ampliando a consciência, e a igreja achava que você não podia acelerar as criações de Deus sem recorrer aos demônios.

A parte seu trabalho com alquimia, a verdadeira paixão de Dee era a adivinhação. Ele acreditava que podia aplicar métodos científicos para se comunicar com seres sobrenaturais. A obsessão de Dee por contatar anjos teria conseqüências desastrosas.

A arte de manipular objetos, como ossos, folhas de chá e cartas de tarô, vieram do leste muçulmano no século XIV e se tornaram um método popular de predição. Mas Dee usava um método chamado cristalomancia; ele confiava numa bola de cristal para visualizar informações sobrenaturais.

Bola de Cristal de John Dee
A cristalomancia é uma técnica muito antiga, em que se usam vidros, espelhos, o reflexo da água, tudo que tem uma superfície refletora. Tenta-se ver não apenas coisas materiais, mas as coisas espirituais também. Os esforços de Dee fracassaram até o dia em que um jovem chamado Edward Kelly apareceu a sua porta. Kelly parecia ter talento para ver o mundo das sombras.

A técnica consistia em Edward Kelly olhar para um cristal de ametista, descrevendo o que via, enquanto John Dee registrava essa comunicação. Kelly começou então a receber mensagens dos anjos, que falavam numa linguagem chamada "Enochiana", do livro bíblico perdido de Enoch. Essas transmissões são exemplos da pratica mediúnica que os seguidores da "Nova Era" hoje em dia chamam de "Channeling".

O que Dee e Kelly faziam era pura novidade, não era baseado na tradição esotérica. Kelly parecia estar falando uma nova língua. A língua "Enochiana", que tem vocabulário e sintaxe coerentes, então não parece algo que Kelly, que não tinha uma educação particularmente erudita, pudesse ter inventado. Assim, John Dee e Kelly viajaram pela Europa para divulgar suas descobertas, e nesta mesma época a inquisição começou a tomar medidas sérias contra os hereges. Bastando uma pequena mudança nas circunstancias políticas, ou religiosas, para que algo considerado excepcionalmente maravilhoso fosse considerado demoníaco e perigoso.

Quando Dee voltou para Inglaterra, descobriu que uma turba havia destruído sua inigualável biblioteca e seus instrumentos científicos e de alquimia. Ele havia perdido sua posição na corte. E o homem que começara como cientista influente da renascença, acabou sem dinheiro e acusado de feitiçaria.

A queda de John Dee foi começo do fim para a alquimia. As praticas foram tachadas pela igreja como obra de possessão demoníaca. E do século XIV ao século XVI, mais de 40.000 pessoas foram executadas por bruxaria.

A Inquisição
As idéias alquimistas então se enclausuraram nas sociedades secretas, como a Maçonaria e a Rosa Cruz. Os alquimistas começaram a entrar em irmandades secretas e outras organizações, porque eram idéias muito poderosas e perigosas; perigosas para o status quo, perigosas para religião dominante. Então havia elementos de segredo e de marginalidade associados a estes temas.

Esses "portos seguros" começaram a florescer por toda Europa. Sociedades secretas foram fundamentais para nova era do Iluminismo que tomou a Europa no século XVIII e ajudou inclusive a fundar a democracia norte-americana. Mas a participação dessas organizações caiu drasticamente em meados do século XIX, quando as pessoas se voltaram mais para questões cívicas do que para a alquimia.

Contudo, na zona rural de Nova York, duas irmãs inspiraram uma obsessão nacional com o oculto. O esoterismo iria dominar a imaginação novamente. Em 31 de março de 1848 as irmãs Leah e Margaret Fox, declararam publicamente que haviam entrado em contato com espíritos do além. E quase que da noite para o dia, os norte-americanos se tornaram fascinados pela comunicação com os mortos.

As irmãs Fox usavam uma técnica chamada "sessão", que logo se tornou um dos passa-tempos mais populares do país. As pessoas se reuniam em quartos escuros com um médium que tentava entrar em contato com o mundo dos espíritos.

Muitos espiritualistas acreditavam que chegariam a uma prova cientifica da imortalidade da alma, e ganharam um grande ícone quando a russa, madame Blavatsky, chegou à Nova York no ápice da popularidade do espiritualismo. Ela logo se tornou a auto-proclamada decodificadora dos antigos segredos dos alquimistas.

A jovem Helena Blavatsky
Nascida na Ucrânia em 1831 numa família da baixa nobreza, Helena Blavatsky se casou cedo, mas abandou o marido para passar dez anos viajando pelo mundo. Ela afirmava ter estudado com místicos da Índia e do Tibete. A médium exótica, apreciadora de charutos, se tornou sensação nos círculos esotéricos.

Ela não aceitava limite algum, ela era uma das pessoas mais eruditas que alguém poderia conhecer naquela época, mas num mundo machista, ninguém entendia como um intelecto tão poderoso estava num corpo de mulher, mudando tudo que se conhecia e produzindo tamanha inspiração.

As sessões de Blavatsky eram o assunto de Nova York, cartas misteriosas apareciam escritas por lideres espirituais que ela chamava de "Grande Fraternidade Branca". Porém Blavatsky não foi capaz de não se aproveitar da popularidade de suas sessões, para defender sua própria causa. Ela usou as sessões para um efeito bem espetacular, para materializar cartas escritas por mestres falecidos, com instruções que eram passadas a ela. A fraternidade ditava para ela os livros que se tornariam o fundamento de uma nova ciência do misticismo, a "Teosofia".

Blavatsky escreveu duas enormes coleções essenciais: "Ísis Sem Véu" e "A Doutrina Secreta" – que pretendiam ser os ensinamentos, as lições secretas dessa fraternidade do oriente, da escola de mistérios de iniciação. E ela transformou totalmente o panorama da civilização ocidental ao introduzir tais conceitos. Ela foi uma pioneira ao trazer idéias do esoterismo oriental para o ocidente, ela se focou nas semelhanças entre cristianismo, hinduísmo, budismo e outras tradições espirituais. Defendendo que há de fato, uma tradição por trás de todas as crenças espirituais do mundo. Blavatsky entendia seu trabalho como ciência espiritual e teceu conexões entre avanços científicos da época e crenças esotéricas.

Ela divulgou a antiga visão mística oriental de que a essência do universo não é matéria, mas sim energia. O que antecipou muitas descobertas da física moderna. Blavatsky também recuperou crenças orientais de reencarnação e carma. Adquirindo rapidamente muitos seguidores, ela então criou a "Sociedade Teosófica".
A Teosofia
O termo "Teosofia" que Blavatsky cunhou, vem de duas palavras de origem grega, uma é Teos, que significa Deus, e Sofia, que é sabedoria. Então a "Sociedade Teosófica" ensinava a sabedoria sagrada, a sabedoria de Deus. E a "Sociedade Teosófica" se espalhou por todo o mundo e ainda existe em muitos países. Blavatsky foi saudada por seus seguidores como a "Mãe da Nova Era". Mas apesar se seu grande carisma, ela foi vitima de seu próprio sucesso.

Enquanto ela se tornava famosa, o negocio do espiritualismo e da mediunidade, em especial as sessões onde se contatava os ancestrais, ganhou espaço em todo mundo ocidental e ela achou que isso era charlatanismo. Então ela quis representar um modelo que se destacasse daquilo e falasse a verdade, a verdade dos grandes temas. Mas infelizmente no fim, ela se reduziu aquilo que tentava combater.

Em 1885 Blavatsky foi investigada pela "Sociedade Londrina de Pesquisa Psíquica", e eles concluíram que suas sessões eram armadas, que as cartas não apareciam magicamente do outro mundo. Haveria um aparelho com molas no quarto acima da câmara e bastaria que uma pessoa colocasse uma carta no aparelho, para ela deslizar de um andar ao outro e se materializasse nas mãos dela.

Apesar de muitos seguidores devotos se recusarem a abandonar a Teosofia, Blavatsky estava manchada pela fraude, e ela morreu logo depois deste episódio. Seus seguidores então estabeleceram um novo quartel-general na Índia, onde a Teosofia prosperou. Um jovem devoto, Krishnamurti, foi identificado como mestre reencarnado e designado para conduzir a "Sociedade Teosófica" ao século XX. Então, a síntese de Blavatsky entre espiritualidade ocidental e oriental ganhou novo terreno.

No inicio do século XX, antes de Adolf Hitler, um homem era descrito pelos jornais como a pessoa mais perversa do mundo, alguém que afirmava ter penetrado ainda mais fundo nos mistérios secretos.

Aleister Crowley
Nascido em 1875, Aleister Crowley foi criado num ambiente religioso rígido. Sua mãe o apelidou de "Besta", a partir do livro das revelações, e era um titulo que ele manteria por toda sua vida. Ele se identificava como o anticristo, como a força que varreria a terrível programação cristã que deformara sua infância.

Crowley começou a estudar ocultismo, esoterismo e todas as outras vertentes, como membro da "Aurora Dourada". Uma ordem hermética – sociedade secreta – típica da era vitoriana da Inglaterra. Ela reunia todo o conhecimento que estava disponível naquela época. Havia tarô, a cabala, a magia angelical de John Dee e as tradições Rosa Cruzes, todas elas combinadas em um único sistema.

A "Aurora Dourada" atraiu boa parte da inteligência de Londres, mas Crowley acabaria por romper com o grupo. Ele encontrou seu próprio sistema de crenças após uma viagem ao Egito, onde sua esposa teria recebido um sinal místico de que ele deveria se preparar para uma mensagem dos deuses. Então, obedecendo ao chamado, ele começou espontaneamente a escrever uma obra chamada o "Livro da Lei".

Este livro anunciou uma nova lei para humanidade e de fato conta que somos entidades espirituais, muito destemidas e iluminadas. Que em realidade somos como deuses. O "Livro da Lei" foi outra síntese entre a espiritualidade do oriente e do ocidente. Crowley chamou seu novo sistema de "Thelema", que incorporava princípios da magia que ele dizia ter aprendido com os antigos egípcios e outras fontes ocultas. Ele se tornou um auto-proclamado mestre da ação a distancia, concentrando sua força de vontade para criar efeitos desejados.

Alegoria Thelêmica
Aleister Crowley definiu magia como: a arte e a ciência de causar mudanças de acordo com a vontade – toda a abordagem de Crowley se baseou basicamente em possibilitar ao praticante, fazer as coisas acontecerem; materializar o que o praticante desejasse que acontecesse no mundo.

A lei fundamental de Thelema é: "Faze o que tu queres, a de ser a lei, o amor é a lei, amor sob vontade." – se para alguns isso pode significar a busca por um caminho superior, para outros é uma desculpa para todo tipo de comportamento desviado; alguns críticos dizem que o próprio Crowley compartilhava da segunda teoria.

Crowley praticava a sexualidade como caminho espiritual, ele reduziu boa parte dos ensinamentos simbólicos em sua essência, que é fundamentalmente a dualidade e a polaridade entre macho e fêmea. E ele experimentou muito nesta esfera, para entender que tipos de mistérios estariam contidos no ato sexual.

Ele fundou sua própria sociedade secreta, a "Ordo Templi Orientis", e escreveu diversos livros sobre meditação e magia cerimonial, ele também ajudou a reinterpretar o tarô para o século XX.

O tarô – que é uma representação pictórica dos ensinamentos esotéricos – é um método de se aprofundar; de contatar os níveis arquetípicos de si mesmo, os níveis espirituais e de entrar num estado meditativo onde a intuição é aguçada a um ponto que talvez permita ver alguns padrões se desenvolvendo.

Jung e o Tarô
Embora tenha sido popularizado pelos nobres italianos no século XIV em cartas de baralho, alguns dizem que as origens do tarô remontam o antigo Egito, Carl Gustav Jung, precursor da psicologia analítica, utilizava o tarô considerando-o como espelho do pensamento inconsciente, em uma autêntica tentativa de ampliação das possibilidades das percepções humanas.

Crowley desenvolveu sua própria versão do tarô, que chamou de "Livro de Thoth", baseado na magia egípcia que havia estudado.

Acredita-se que o tarô, que hoje é uma ferramenta popular de adivinhação, revela informações sobre o consulente e sobre o futuro. Pois tudo que se relaciona num certo momento do tempo está conectado, então se duas pessoas se reúnem em torno de uma questão e manipulam uma ferramenta oracular como o tarô, e se essa manipulação tiver a intenção de atender uma necessidade e sentimento, então surgirá um reflexo especular da energia produzida entre essas duas pessoas.

Os textos de Crowley como os de madame Blavatsky foram tomados como precursores de novas idéias esotéricas, mas apesar de seu trabalho sério em ocultismo e esoterismo, ele acabou se tornado famoso pelo abuso de drogas e comportamento sexual decadente. Quando Hitler subiu ao poder nos anos 30, a reputação de Crowley foi duramente atingida, ele escreveu propaganda nazista e logo se tornou um excluído. Depois da segunda guerra mundial houve rumores de que Hitler teria usado os textos de Crowley e da madame Blavatsky para formar sua teoria sobre a superioridade ariana.

Não que haja qualquer evidencia de que Hitler leu as obras de Aleister Crowley propriamente sem duvida, porém é sabido que Hitler e membros de seu regime tinham grande interesse no ocultismo e adotaram como seus alguns símbolos.

Doente e viciado em ópio, Crowley passou seus últimos dias em uma pensão e morreu em 1947. Como outros antes dele, Crowley tentou aprender os segredos dos deuses e terminou desacreditado e condenado pela sociedade.

O que se percebe, no caso dos grandes pensadores da história, é que no fim eles acabam sendo perseguidos por suas crenças; devido estas pessoas estarem muito a frente de seu tempo e desafiarem as concepções vigentes, deixando as outras pessoas desconfortáveis. Esse nível de desconforto, esse nível de medo e de ameaça do pensamento das bases do poder, leva a sociedade, o governo e outras instituições a atacá-los.

Decapitação de S.João Batista, de Giovanni Tiepolo
As praticas esotéricas como um todo, definharam na maior parte do século XX, mas voltaram a florescer durante o movimento Hippie dos anos 60. Gurus populares como Maharishi, promoviam estados alterados de consciência que poderiam levar a patamares mais altos de autoconsciência. E o individualismo se tornou a meta de milhões de jovens que rejeitavam as religiões tradicionais em troca de suas próprias rotas em direção a Deus.

Nos anos 80, as idéias esotéricas já eram bem aceitas, os textos de madame Blavatsky se tornaram centrais na reinterpretação do esoterismo para audiências modernas e até a reputação de Aleister Crowley foi até certo ponto restabelecida. Havendo um boom no interesse pelo esoterismo e Crowley passou ser visto quase que como um ícone pop.

Sgt. Pepper
Os Beatles colocaram Aleister Crowley na capa de seu disco Sgt. Pepper, e outros jovens músicos da época, como David Bowie, Jimmy Page e Raul Seixas, se interessavam muito por Crowley, ele obteve uma renascença nos anos 60 e 70, se tornando uma figura bem popular desde então.

Os sistemas de crenças esotéricas são hoje adotados por milhões de pessoas, que escolhem a dedo, no vasto leque de conceitos, os que melhores se encaixam em cada estilo e espiritualidade individuais. Ainda assim o esoterismo continua sendo visto com suspeita. Muitos dos praticantes o descrevem como a moderna busca mística. Um processo pelo qual seres humanos limitados pelo espaço e pelo tempo, podem transcender suas contingencias e historia, e atingir uma consciência Divina, ou macro-cósmica, que é o processo de se tornar imortal, ou seja, deixar para trás o corpo físico para conseguir se identificar com esferas mais vastas da realidade.

Vivemos em uma era, em que nos encontramos cercados de riqueza material e tecnológica, mas sentimos que perdemos alguma coisa, que perdemos a conexão; perdemos a compreensão de nossas raízes humanas; e muito dos interesses nas idéias esotéricas e muito do resgate das idéias antigas, vem do desejo de reconectar-se com o que nos pode fazer nos sentirmos mais completos, mais espiritualizados, mais cientes da paixão e do significado da vida.

Newton e a Alquimia
E o que começou com a alquimia, influenciou o mundo da ciência. Pois é uma tentativa das mais legitimas de entender como o mundo funciona. Não haveria astronomia hoje em dia se os antigos astrólogos não tivessem estudado o céu, não haveria ciência hoje em dia se não fossem os alquimistas.

Havia segredos que eles achavam se referir ao segredo da vida eterna, o segredo de se livrar das doenças, os grandes segredos de transformação, como exemplo, do chumbo em ouro, que não era a única meta. Talvez uma das transformações fosse a do ser humano, em um ser melhor. E é uma coisa maravilhosa que agora tenhamos a física de partículas, com pessoas pensando que a vida é pura energia e que talvez haja uma conexão entre todas essas idéias, que talvez o poder de se tornar melhor, seja a habilidade de transformar a si mesmo.

A medicina e a ciência se beneficiaram do legado alquimista e no futuro o que chamamos de magia, pode ter um papel em descobertas ainda maiores. No campo da ciência temos uma cultura de especialistas muito focados em áreas particulares, então talvez alguma coisa da natureza holística do passado seja necessária para fazer a revolução que ainda não conseguimos fazer na ciência.

As crenças podem nos cegar, sejam crenças religiosas, ou crenças cientificas, e o grande mérito dos experimentos alquimistas foi se manterem abertos para todas as possibilidades. Apesar do progresso feito pela ciência, o mundo moderno ainda tem muitos mistérios que talvez nunca se expliquem.

É o incognoscível, o mistério; e o mistério é um cetro da busca espiritual, mas também é o cetro da busca cientifica e da busca artística. É para isso que estamos na Terra, para perseguir este mistério. Como os primeiros alquimistas, os cientistas modernos vão continuar procurando maneiras de conhecer os mistérios do mundo e as forças que o criaram.


"O Reino de Deus está em vós e à sua volta.
Parte um pedaço de madeira e ali estarei.
Ergue uma pedra e me encontrarás.
Não estou apenas em construções de madeira e pedra.
Estou em ti." - Jesus Cristo, O Vivo

domingo, 12 de junho de 2011

O Segredo do Vento

De onde vêm as súbitas paixões de um homem por uma mulher, as profundas, íntimas? A sensualidade é apenas a menor causa disso; porém, quando um homem encontra reunidos num único ser a fragilidade, a necessidade de ajuda e ao mesmo tempo a petulância, ocorre nele algo que seria como se a sua alma fosse transbordar: ele fica, no mesmo instante, emocionado e ofendido. É nesse ponto que jorra a fonte do grande amor.
Nietzsche - Humano, Demasiado Humano

Blowin' In The Wind
Depois de um longo hiato o Mirtu's Blog recebe uma nova publicação. Publicação esta que originalmente começou com uma busca, entre as maiores mentes e os maiores espíritos do século XX.

Visitei a biografia de Einstein e Gandhi, conheci Andrew Wiles e Yogananda, conversei com Ibrahim Talmur e com o "seu" Sebastião, pois eu precisava encontrar uma resposta muito particular a respeito do amor. Eu já havia buscado uma resposta entre os maiores amantes de todos os tempos – Juan, Giacomo, Donatien, Ovídio, etc – e agora eu precisava de outra perspectiva.

Em verdade, a resposta estava debaixo do meu nariz, em um pequeno livro, com grandiosos ensinamentos; o qual a grande maioria das pessoas, pelo menos já ouvir falar dele. Mas antes, um prelúdio meu. Assim:

Eu amo as mulheres desde muito cedo; no jardim da infância havia uma menina, que me alegrava pelo simples fato de estar com ela; o que era aquele sentimento eu não sabia, sabia apenas que eu gostava. E gostava ainda mais quando ela fazia pipoca de mentirinha e me dava suco de ar; tudo muito simples.

Na primeira série do ensino, havia uma menina cuja presença me encantava. Só aceitei dançar quadrilha na escola depois que consegui que ela fosse meu par; ela também fez com que eu tivesse vontade de escolher as minhas próprias roupas para ir à escola, o que não adiantou, já que todos iam de uniformes.

Não foi diferente na segunda série. Havia uma menina que conseguia toda minha atenção, mesmo que eu ainda carecesse de entendimento e de qual era o sentido daquela vontade de estar com ela. O que piorou na terceira série, pois agora havia um conflito neste sentimento estranho, que consistia no fato de eu estar encantado por duas meninas. E como eu não conseguia direcionar corretamente minha atenção, decidi me dedicar intensamente aos esportes – mais precisamente ao futebol.

Depois de três anos desconhecidamente encantado por aquelas criaturas tão diferentes de mim, descobri que havia entre elas, aquelas que se encantavam por mim. E neste mesmo ano, tive uma experiência um tanto quanto diferente. Algumas meninas gostavam de me abraçar, me comprar doces e bagunçar meu cabelo – coisa ultima esta, que não me agradava muito (eu demorava longos minutos para deixar meu cabelo penteado igual ao do Super-Homem), todo o resto era esplendido.

Hoje ao me recordar disso, não tenho certeza se elas gostavam de mim, ou se gostavam de me ter ali, quase como um cãozinho que se gosta de afofar. Bem, isso não importa. Quando fui para quinta serie tudo mudou; ou quase tudo, já que agora eu estudava no andar de cima. Na minha escola as salas de aula de 1ª a 4ª serie ficavam no andar de baixo, então saíamos do pátio e descíamos as escadas até nossa sala. Agora na 5ª serie, saíamos do pátio e subíamos as escadas até nossa sala; foi a primeira vez que tive a sensação de subir na vida.

As garotas agora já não exerciam tanto encantamento sobre mim, pois eu estava apaixonado por outra coisa, mas particularmente, mais uma vez ligada ao gênero feminino: uma bola.

Tudo estranhamente complicou quando 'A Bola' se interpôs na minha relação com as meninas. Pois as meninas demandavam minha atenção e a bola tinha minha atenção. Então este pequeno conflito de interesses "arruinou" meu primeiro relacionamento. Quando minha "namorada" me perguntou: "Você quer ficar comigo, ou ir jogar bola no campinho?" – e naquele momento não parecia que havia necessidade de uma escolha, eu considerava que podia ficar com as duas, então me levantei e disse: "Vou jogar bola no campinho e depois eu volto!". E foi exatamente o que fiz, com uma parada pra tomar banho, já que o campinho em frente casa era de terra. Quando cheguei ao portão da casa dela, levei uma 'mangada' no peito – ela atirou uma manga verde em mim (sim, a fruta mesmo). O que na época não entendi bem. Depois disso tivemos um "relacionamento" instável; eu, ela, a bola e as mangas.

Nesta época eu estava na sexta serie e foi quando tive a mais estranha das minhas experiências com meninas, até então. Os meninos da minha sala começaram uma brincadeira idiota – hoje posso dizer isso – que irritava as meninas, e logo irritaria os pais delas, o que tornava tudo mais divertido. A brincadeira consistia em – durante a troca de professores – /este trecho está suprimido por poder ser considerado bullying/ meninas e sair correndo, para não levar um tabefe delas. O estranho é que depois de toda confusão que essa brincadeira causara, uma das meninas me chamou de lado e disse: "A S. pediu pra eu te dizer que ela não liga de você /este trecho está suprimido por poder ser considerado bullying/." – e esse recado me intrigou, pois, porque ela me deixaria fazer uma coisa que ela detestava que os meninos fizessem. Então para saber o motivo, fui perguntar a S., que sorrindo me disse: "Eu não gosto dos outros meninos, mas de você eu gosto" – e estranhamente aquele privilégio excepcional que ela estava me concedendo, me deixou confuso e perguntei de novo: "Como assim?" – e ela segurou minha mão e disse: "Eu gosto de você. /este trecho está suprimido por poder ser considerado bullying/.". E de repente, sem saber por que, eu tinha algum poder especial – pelo menos sobre aquela menina. Porém, além de meninas e futebol, eu gostava de revistas em quadrinhos, então por alguma razão, naquele momento me lembrei do tio Ben: "Grandes poderes, trazem grandes responsabilidades" – e fui embora, pensando na S. e no meu estranho poder. Logo a frase dos quadrinhos e a declaração da S. sumiriam da minha mente.

Aquele privilégio excepcional que ela havia me concedido, foi apenas o primeiro de uma série de outros que se sucederiam, pois de alguma forma, por alguma razão que eu não compreendia, as meninas estavam dispostas a me dar coisas, ou acesso a coisas particularmente suas, pelo simples fato de gostarem de mim. Mas logo descobri que o privilegio era concedido, mas ele vinha com um pedido implícito, algo como uma troca, na qual a minha contrapartida era eu, de forma exclusiva.

Mas isso entrou em conflito, primeiro com a entidade feminina que ainda povoava meus sonhos, 'A Bola', e com o fato de que eu perderia algum privilégio excepcional que outra menina me ofereceria. Mesmo que eu não soubesse quais eram estes privilégios, não me agradava o fato de não tê-los por algum motivo.

No colegial, com meu sonho de ser jogador de futebol e alguns princípios que se delineavam em minha mente – que formariam meu caráter –, a cadeia confusa de pensamentos sobre aquelas formas de gostar, me colocaram em um ponto de decisão. Se para ter acesso aos privilégios excepcionais das meninas, agora garotas, eu tinha que estar com uma delas de maneira exclusiva, eu decidi que tinha que escolher uma garota que provocasse em mim, aqueles mesmos sentimentos de encantamento que eu sentia nas primeiras series do meu ensino e mais, eu precisava querer estar com essa garota, só com ela, gostar dela, ter "olhos" só para ela.

A primeira garota que produziu este encantamento em mim tinha nome de princesa e foi com ela que eu aprendi que se relacionar com alguém significa alguma coisa, aliás, tudo que eu tinha vivido até ali, ganharia significado.

Era uma festa típica em uma pequenina cidade do interior e fazia frio de congelar a ponta do nariz, era o segundo dia de festa, o que indicava que eu já havia iniciado meu score, ou como eu gostava de falar depois de ficar com uma garota, até então: "Foi pra conta!".

Ela estava parada próxima a barraca de vinho quente e seus olhos faiscavam em um azul quase púrpura; sua pele alva – que lhe atribuía um ar de delicadeza – estava rosada pelo frio; seus cabelos negros brilhavam e revoavam ao vento gélido que soprava; ela estava ali, encantadoramente linda, como eu nunca tinha visto nenhuma antes dela. Era ela, de alguma forma eu sabia que era. Por ela eu renegaria qualquer privilégio, por mais excepcional que fosse com qualquer outra garota.

Purple Eyes
Pela primeira vez desde que conversara com a S., eu estava falando com uma garota que eu estava realmente interessado em estar com ela, de alguma forma eu queria que fosse diferente dessa vez. Conversamos longamente pela noite, até que me aproximei para beijá-la. Nossos corpos estavam tão próximos que eu não sentia mais frio e me perdia nas profundezas do mar que eram os olhos dela. Quando minha boca levemente tocou os lábios dela, ela virou o rosto e me disse: "Não posso.". Então meio confuso lhe perguntei: "Por que não?" – e eu pude ver aqueles olhos maravilhosos se encherem de lagrimas e ouvir: "Eu estou com alguém." – olhei rapidamente para todos os lados e indaguei: "Quem?".

Ela pegou meu queixo, enquanto mordia os lábios como se pensasse muito em algo, e me disse: "Como pode? O que é isso que acontece comigo, que me faz querer tanto beijar essa boca." – os dedos dela pareciam delinear meus lábios, nisso ela me olhou com determinação e disse: "Espere aqui. Eu preciso de alguns minutos, vou ao Hotel e volto. Não saia daqui, me espere.".

Ela demorou cerca de trinta minutos, quando voltou, eu estava com outra garota, então aquelas lagrimas que há minutos atrás apenas encheram aqueles maravilhosos olhos, agora se precipitavam ao chão em abundancia. Foi quando deixei a garota com quem estava e corri atrás dela. E ela chorava com um pesar que eu desconhecia:

"Por que Milton? Por que você não me esperou? – e eu só consegui dizer: "D., eu pensei que você não fosse voltar".

"Eu fui ligar para o meu namorado e dizer que não podíamos mais continuar juntos. Eu disse que eu não queria mais ficar com ele." – e a mão dela tocou mais uma vez a minha boca: "Eu queria ficar com você. Eu queria você." – e ao dizer isso ela fugiu de mim; desapareceu com o vento gélido que cortou meu coração e assim, nunca mais a encontrei.

Deus me deu o privilegio de amar as mulheres; algumas por anos, outras por dias, todas elas eu amei, porém sou incapaz de esquecer aquela que não amei, mas fortemente cativou meu coração. E a resposta que eu procurava veio quando...

...apareceu a raposa:

- Bom dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu polidamente o principezinho que se voltou, mas não viu nada.
- Eu estou aqui – disse a voz – debaixo da macieira...
- Quem és tu? – perguntou o principezinho. – Tu és bem bonita.
- Sou uma raposa. – disse a raposa.
- Vem brincar comigo – propôs o príncipe – estou tão triste...
- Eu não posso brincar contigo. – disse a raposa. – Não me cativaram ainda.
- Ah! Desculpa. – disse o principezinho.

Após uma reflexão, acrescentou:

- O que quer dizer cativar?
- Tu não és daqui – disse a raposa. – Que procuras?
- Procuro amigos – disse. – Que quer dizer cativar?
- É uma coisa muito esquecida. – disse a raposa. - Significa criar laços...
- Criar laços?
- Exatamente. – disse a raposa.

"Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás pra mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo..." e a raposa voltou a sua idéia:

"Minha vida é monótona. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora como música. E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo..." – a raposa então se calou e considerou muito tempo o príncipe: "Por favor, cativa-me!" – disse ela.

- Bem quisera – disse o príncipe – mas eu não tenho tempo. Tenho amigos a descobrir e mundos a conhecer.

- A gente só conhece bem as coisas que cativou. – disse a raposa. Os homens não têm tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres uma amiga, cativa-me! Os homens esqueceram a verdade. – disse a raposa.

"Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas"


* Trecho de: O Pequeno Príncipe - Antoine de Saint-Exupéry