terça-feira, 27 de agosto de 2013

Marx e a Atualidade

Nada do que é humano me é estranho,
tudo aquilo que a humanidade produz eu tenho que saber,
eu tenho que ter pelo menos o direito de poder conhecer.
Mazzeo interpretando Marx
Conhecer
O Mirtu's Blog nasceu de um sonho; um sonho recorrente que possuo, de um dia contribuir para sociedade através da arte literária – e enquanto esse sonho não se concretiza, persisto. Contudo, nos últimos anos tenho sonhado mais, e meus sonhos me fizeram buscar conhecimento e essa busca me conduziu 'A Teoria do Sucesso Irrestrito - S=c.p² (Sucesso é igual ao conhecimento multiplicado pela perseverança ao quadrado)'.

Foi um feixe de luz (http://jrmilton.blogspot.com.br/2012/04/um-feixe-de-luz.html) que atingiu minha mente e desde então tenho me esforçado não apenas para adquirir conhecimento, mas para de alguma forma levar conhecimento até as pessoas. E a forma que encontrei para fazer isso, foi à internet. Ela está intimamente ligada a minha profissão e incrivelmente acessível para um grande número de pessoas.

Durante este último hiato das publicações do Blog, criei uma página no 'Internet Archive', onde comecei a compartilhar uma diversidade de documentários que encontrei na própria internet e que são excelentes fontes de conhecimento. Parafraseando a paráfrase de Mazzeo sobre Marx, as pessoas têm que ter pelo menos o direito de poder conhecer as coisas.

Estes documentários reúnem temas desde biografias, conceitos tecnológicos e científicos, até história do Brasil e economia, constituindo um universo bem variado de assuntos. Os documentários podem ser acessados em http://archive.org/bookmarks/jrmilton e espero que contribuam para aumentar sua sede de saber, pois como escreveu Dídimo sobre as palavras do Mestre dos mestres: "Todo aquele que busca, continue buscando, pois encontrará e ao encontrar, sentir-se-á maravilhado e ao sentir-se maravilhado reinará no mundo". Ser autodidata e apostar em uma educação continuada são a chave para o sucesso nesta era que vivemos, a Era do Conhecimento. Por isso não se prenda a uma educação formal, vá além, pois o verdadeiro conhecimento está na realização, na experienciação; os títulos formam, as experiências INformam – dão forma, desenvolvem, agregam.
Diversidade de conhecimento
Para diversificar ainda mais as coisas e ponderar nossa vida contemporânea, o Mirtu's Blog apresenta o texto de uma entrevista de Antonio Carlos Mazzeo; em que ele explica os principais conceitos da sociologia de Karl Marx e faz uma analise de como o filósofo enxergaria o mundo de hoje. Antonio Carlos Mazzeo é doutor em História Econômica pela USP - Universidade de São Paulo e é professor de ciências sociais da UNESP de Marília. Estuda o comunismo, o capitalismo e a burguesia no Brasil e é especialista em Karl Marx.

O texto desta entrevista é uma contribuição mais do que especial de Helbia Araújo – que trabalhou com esmero para termos acesso a esse conhecimento.

Segundo Marx
Karl Marx
A história não tem fim, a história é um processo em permanente movimento, e fundamentalmente a história é feita pelos Homens.  Todas as verdades são históricas, elas valem por um momento, elas não valem nem para o passado, nem para o futuro, você explica a realidade a partir dela mesma.

O Homem como produto de si mesmo
Produto de Si
Marx se propunha antes de tudo, um crítico do pensamento idealista e da filosofia idealista, exatamente por isso ele incorporou na sua teoria social não só a crítica à filosofia de um lado, mas também incorporou de outro, a crítica à economia política, tentando articular tanto uma visão de destruição das velhas formas ideológicas – que ele chamou de ideologia, no sentido de concepções idealizadas do mundo – e ao mesmo tempo das formas de organização econômica da sociedade. Essa articulação é o que ele chamou de articulação dialética da sociedade, a infraestrutura e a superestrutura. A infraestrutura e seu plano econômico, a superestrutura e seu plano ideopolítico, e é essa articulação dialética que conforma a sociedade. Por isso, não é usual dizer a rigor, que Marx tenha sido um sociólogo, ainda que a sociologia possa utilizar o seu método analítico para fazer os seus estudos sobre a sociedade.

Por conta de seu método inovador, se pode dizer que o método de Marx tem um aspecto revolucionário, nucleado na crítica das velhas formas analíticas, porque as velhas formas analíticas ocidentais provinham da tradição grega, elas vinham da grande tradição do pensamento clássico grego, dos métodos fechados, das formas quase que estruturadas em começo, meio e fim de análise dos processos sociais; e Marx disse: "depois que consegui estruturar o método superando a dialética de Kant e a dialética de Hegel" – e ele tinha muita identidade com essa dialética de Hegel – "eu consigo entender que não há mais verdades absolutas", inclusive Engels seu grande companheiro de trabalho disse em um texto clássico, analisando o que eles tinham feito ao longo da vida, um texto que ele escreveu quando Marx já havia morrido, em que ele disse que a grande novidade do pensamento é que tudo passa a ser absoluto e relativo ao mesmo tempo. Por quê? Porque na verdade, todas as verdades são históricas, elas valem por um momento, elas não valem nem para o passado e nem para o futuro, você explica a realidade a partir dela mesma, não se pode usar o modelo do passado para avaliar o modelo do presente, e não se pode usar o modelo do presente para avaliar o futuro, porque o futuro só será avaliado ao longo do seu próprio processo de construção, então não há mais fim da história, a história não tem fim, a história é um processo em permanente movimento e fundamentalmente a história é feita pelos Homens, pela humanidade.

Marx é o resultado de um processo histórico, se usarmos o próprio método de Marx, não há Marx sem Descartes, sem Espinosa, sem Kant e sem Hegel, sem os Iluministas. Marx é uma síntese de um processo de construção, de um pensamento que nasce com a revolução burguesa, com a construção do capitalismo, e Marx é uma síntese não só desse processo, diga-se heroico, do período heroico da construção do capitalismo, do chamado racionalismo burguês. Marx se apresenta como uma ruptura e uma continuidade do racionalismo burguês. Continuidade em que sentido? Ele não nega em nenhum momento o racionalismo que aparece com a revolução burguesa, que aparece com a sociedade capitalista, mas de outro lado ele nega as formas ideológicas e materiais que se constroem a partir do capitalismo, ou seja, ele passa a apontar as contradições que o capitalismo possuí, ele passa tentar demostrar que o capitalismo também é histórico e que há uma possibilidade histórica de sua superação.

O trabalho, segundo Marx
Práxis?
Marx pensava o trabalho como o centro, não só da sociedade, mas como essência humana, ou seja, que 'trabalho' ele está dizendo? Não é esse trabalho cotidiano, que as pessoa se levantam de manhã, vão para o trabalho, batem o ponto e voltam. A noção de 'trabalho' de Marx, ele chamou de práxis, em que há uma conexão de fazer e de pensar; ele concluiu que o ser humano é produto de sua própria obra. Cada ação humana corresponde à construção de uma forma de pensamento sobre essa ação, então ele chamou esse conjunto da ação humana de práxis, esse conjunto da ação humana, que não somente age, mas age e pensa; essa conexão dialética entre a ação e o pensamento, e a noção do trabalho que é o núcleo de sua concepção de humanidade, ele colocou o homem como produto de si mesmo; portanto o trabalho é o criador do homem, o homem sem trabalho, não é homem.

Todas as formar sociais humanas ao longo da história, se constituem através de formas históricas de trabalho. O que isso quer dizer? A cada momento da organização da humanidade, da objetivação dos seres sociais, das sociedades humanas, o trabalho ganha formas diferentes; se nós pensarmos numa sociedade arcaica, tribal, ali teríamos um trabalho comunitário, em que a divisão social do trabalho é feita por sexo, porque as formas de propriedades são coletivas, então há uma divisão sexual do trabalho. O homem caça, pesca, enfim, guerreia e a mulher planta, constrói e tece cestos, tecidos, cuida das crianças, etc. Essas sociedades são comunitárias, elas têm uma divisão do trabalho em que não há hierarquização da forma de produzir. Na sociedade onde se tem propriedade privada, e onde já se tem embriões de formas de estado, obviamente se tem a divisão de classes, ou castas, e aí o trabalho também vai estar organizado de acordo com a forma e estrutura produtiva, e com as formas de propriedade; então, se imaginarmos uma sociedade palacial, vamos pensar, Babilônia, do tempo de Hamurábi  ali era uma sociedade camponesa, onde os camponeses trabalhavam suas próprias terras, mas pagavam um tributo ao estado, e o estado tinha seus escravos estatais. Os camponeses eram livres e podiam pagar esse tributo ou com o trabalho, ou com espécie, tanto era assim na Babilônia quanto no Egito antigo, onde o rei do estado fazia uma intermediação entre o Deus daquela sociedade e os homens. Então essa era outra forma de organização do trabalho.
Sociedade escravista
Numa sociedade escravista grega, por exemplo, dos gregos antigos, havia uma propriedade privada do escravo, então o escravo trabalhava para um senhor, onde se tinha toda uma estrutura escravista que garantia as formas de propriedade, que garantia inclusive as formas politicas; e a escravidão garantiu o surgimento da democracia, como exemplo, no capitalismo o trabalho é livre, o trabalhador vende a sua força de trabalho e o empresário capitalista compra a força de trabalho. É uma sociedade baseada na propriedade privada, nos meios de produção, e é uma sociedade fundamentalmente organizada em função da produção de mercadoria, então obviamente isso implica numa necessidade de um trabalho livre e de um trabalho transformado em mercadoria. Então, obviamente, quando Marx analisou a construção da categoria 'trabalho', ele analisou que toda forma social tem uma forma histórica de trabalho e no capitalismo como elemento central, é um trabalho livre e a venda da força de trabalho é o que move a estrutura social, mas não só isso, esse trabalho produz, e a produção desse trabalho são mercadorias, que são destinadas ao mercado, então esta dinâmica do mercado passa a absorver todas as relações sociais, tanto as relações do trabalho como outras formas de relação, se imaginarmos, como exemplo, que seria impensável para o grego de Atenas no Século V pagar escola para seus filhos, tanto é verdade, que quando isso aconteceu, houve uma grande reação de Sócrates e de Platão; Sócrates inclusive foi condenado porque passou a fazer críticas muito vigorosas às formas mercantilizadas da educação, e ele questionou: 'Como é que eu posso comprar e vender educação, se a educação é resultado de um processo social?'. E Marx pensava mais ou menos isso, ele pensou: "Poxa, a educação é resultado de uma construção social, ela é produto social, como é que eu posso transformar um produto social em mercadoria".

Então isso é uma das formas de compreensão de Marx, daquilo que ele chama de mercantilização da vida, e Marx ainda chegou a dizer que, não só a sociedade capitalista mercantiliza a vida, como fetichiza a vida através da mercadoria, como se a mercadoria ganhasse uma dimensão maior do que o seu criador, é como se você tivesse aquela relação entre criatura e criador, sendo que a criatura passa a ter uma dimensão maior do que a do criador. Como no filme Blade Runner - O Caçador de Andróides, em que o androide é uma mercadoria, só que a mercadoria quer se humanizar, e os humanos estão tão mercantilizados que não entendem que o androide não quer mais ser mercadoria, na medida em que ele é um arremedo de ser humano. ele quer também ter uma vida de ser humano, mas não consegue, é isso que Marx chama de fetiche da mercadoria, quer dizer, a sociedade tem essa estrutura e o trabalho no capitalismo, diferentemente de outras formas sociais, por exemplo, diferentemente da idade média, o trabalhador capitalista é desprovido dos bens de produção, porque os meios de produção estão todos na mão do capitalista, o trabalhador tem apenas sua força de trabalho, ele vende sua força de trabalho, então ao vender a sua força de trabalho ele passa a ter uma parte de seu trabalho expropriado.
Mercadoria?
Então veja qual é a lógica; se o trabalho é a essência humana e se o homem é produto do seu trabalho, quando o ser humano que vai a uma fábrica vender sua força de trabalho e tem expropriado uma parte dessa força de trabalho, que não é paga, Marx chama isso de alienação do trabalho humano, então uma parte do seu trabalho está alienada, por quê? Porque quando a gente pensa no trabalho humano, nós pensamos no resultado do trabalho, isso Marx chamou de processo de produção de mais valia, por exemplo, se eu faço um contrato com um capitalista, eu vou trabalhar oito horas por dia e vou receber R$ 10,00 por mês. Nessas oito horas por dia, em quatro horas de trabalho, eu já pago meus R$ 10,00 ao qual eu recebo, e trabalho mais quatro horas que são mais R$ 10,00 porque eu estou produzindo, só que esse mais R$ 10,00 não vem pra mim, vai para o capitalista. E Marx diz que isso é uma expropriação do trabalho humano, e essa expropriação do trabalho humano, foi chamada de mais valor, ou mais valia e, portanto, é uma forma alienada de relação do trabalhador com a produção.

Para Durkheim, o trabalho faz parte da estrutura orgânica da sociedade, e ele se preocupou tanto com isso, que escreveu um livro chamado "A Divisão Social do Trabalho", exatamente mostrando que essa divisão social do trabalho está dentro da organicidade da sociedade, faz parte da estrutura orgânica da sociedade, mas para Durkheim o trabalho não é a essência do homem, não está conectado com a essencialidade humana. Para Weber, o trabalho é até mais penoso, a noção do trabalho para Weber é uma obrigatoriedade, é uma compulsão social, mas também não há em Weber a noção, a ideia de que o trabalho seja a essência humana, a única formulação que vai chegar a essa ideia de que o trabalho é a essência humana, que a essencialidade do homem é o trabalho, é Marx.

Produção e divisão de classes
Pirâmide do Sistema Capitalista
Para analisar a divisão de classes vamos pensar que na sociedade anterior – pois o capitalismo é histórico, não que ele tenha sempre existido, antes do capitalismo existiram outras formas de organização do trabalho –, então vamos pensar na idade média, daquilo que se chama de feudalismo, o artesão, ele tinha os meios de produção; o que são os meios de produção? São os instrumentos de produção. Então se você pensasse em um sapateiro, ou em alguém que trabalhasse com couro, se você dissesse para ele: "Eu quero uma cela de cavalo", ele diria: "Tudo bem", então ele iria onde se abatiam os bois, comprava a pele, ou então iria a um curtume, comprava a pele do curtume, chegava em casa, cortava essa pele, montava toda a cela com seus instrumentos, costurava-a e entregava essa cela pronta, esse é o artesão.

O que acontece no capitalismo? Não é mais assim. Primeiro o trabalhador não tem mais os meios de produção, ou seja, não tem os instrumentos de produção, o trabalhador vende só a sua força de trabalho. Chego e digo: _ Eu quero trabalhar.
_ Pois não, o que o senhor sabe fazer?
_ Eu sou marceneiro.

Então, não tenho a madeira, não tenho o machado, não tenho a serra, não tenho a plaina, não tenho nada. Chego na fábrica, a fábrica me fornece tudo, todos os instrumentos de produção estão lá, você então pega a sua capacidade de trabalho, e utiliza os instrumentos e produz, isso é que são os meios de produção.

A divisão de classes é resultado de uma sociedade de classes, ou seja, se eu vendo a minha força de trabalho e alguém compra a minha força de trabalho; significa que quem está comprando, não compra uma força de trabalho, compra várias forças de trabalho, então isso significa que a sociedade está dividida entre aqueles que detêm os meios de produção – os instrumentos de produção – e aqueles que não detêm os meios de produção.
Divisão
Em geral na sociedade de classes, a maioria não detém os meios de produção, e a minoria detém os meios de produção, isso é o que a gente chama de sociedade capitalista, claro que ela não é dividida só em duas classes, ainda que sejam as duas classes fundamentais, o que é chamado de proletariado – os trabalhadores assalariados – e os empresários, uma burguesia, que são aqueles que detêm os meios de produção. É uma sociedade em que você tem pequenos burgueses, que se têm camponeses, ainda que hoje em dia esses estejam praticamente desaparecendo, e dentro da categoria da classe dos burgueses, você tem aqueles que detêm a indústria, aqueles que detêm a produção agrícola, aqueles que detêm o capital financeiro. Se bem também, que no mundo de hoje há uma tendência de concentração de indústria e capital, e a própria indústria se alargou de tal forma, que também não há mais diferença entre o que é produzido no campo e o que é produzido na cidade, porque hoje no campo, não temos mais uma fazenda tradicional, temos uma agroindústria, e no campo a tendência é termos a presença de grandes proletários rurais, que são trabalhadores assalariados no campo, são aqueles que vão colher cana de açúcar, que vão colher varias produções agrárias, que vão cuidar da criação de animais e assim por diante, quer dizer, na colheita do plantio, esses trabalhadores também não detêm mais a terra, também não detém mais os meios de produção, porque a terra no capitalismo é um meio de produção.

Então de novo esse trabalhador não tem mais nada, a não ser a sua força de trabalho, então a sociedade capitalista é dividida em classes nesse sentido, porque classes estão inseridas num processo produtivo de maneiras diversas, e no mundo atual, nesse capitalismo contemporâneo, as inserções são de diversas formas, que não alteram o seu conteúdo, mas são feitas de diversas formas, como exemplo, mesmo que você pense hoje num pequeno produtor, uma pessoa que tenha uma pequena porção de terra, ainda ele é proprietário do seu meio de produção, ele também não está tão independente como estaria 100 anos atrás, porque esse proprietário de um pequeno pedaço de terra – vamos supor que produza milho e leite –, o que acontece é que ele vai ter que vender essa produção de milho, e vamos supor que ele tenha uma boa produção, ele vai ter que vender essa produção de milho para quem compre, para quem tem interesse no trabalho incomum, pensemos em uma grande empresa de cereais, ela vai estar interessada em comprar uma produção de milho desse pequeno proprietário, e uma grande empresa de produtos lácteos vai também estar interessada na produção do leite que ele produz e obviamente o preço do leite e do milho que ele produz não serão dados por ele, serão dados pela empresa que está comprando a produção dele e de outros pequenos proprietários, então apesar dele ser proprietário desse meio de produção, ele está subordinado as formas de hegemonia do processo produtivo dos grandes conglomerados capitalistas, que hoje tendem a se fundir entre o capital financeiro e o capital industrial.
Proletarização
Isso é uma proletarização não clássica, não é aquele operário clássico, que vai à fábrica, mas de certa maneira ele está proletarizado, porque ele está subordinado a um grande processo produtivo que começa com a aquisição da matéria prima, no caso o milho, ou o leite, que acaba nos floquinhos de milho, como exemplo.

Infraestrutura e Superestrutura

Marx usou os termos infraestrutura e superestrutura em um famoso prefacio de um primeiro livro que escreveu sobre o capital, que é a "Contribuição para a Crítica da Economia Política", é um prefacio de 1959, o famoso prefácio de 59 – como se costuma dizer. Neste prefácio, Marx tentou ser mais ou menos didático, então ele escreveu que a sociedade é organizada numa infraestrutura, onde está a base econômica, e numa superestrutura, onde está uma base ideológica, ideo-politico jurídica.
Infraestrutura e Superestrutura
Obviamente a teoria Marxiana é muito mais complexa do que isso, mas é uma forma de didatizar o que ele pensou em 59. Obviamente ele já tinha escrito alguma coisa muito mais complicada que não era para se publicar, ele escreveu para própria reflexão em manuscritos que foram encontrados na década de 30 do século XX, que são chamados de manuscritos econômicos 1844. Esses manuscritos tendem a fazer uma análise muito mais complexa sobre essas conexões da sociedade. Mas se nós fossemos usar os termos infraestrutura e superestrutura, poderíamos dizer que eles só podem ser explicados se forem analisados de maneira concomitantes e conectados, não dá para analisar ou a infraestrutura, ou a superestrutura, porque aí se perde aquilo com que Marx estava preocupado, com a totalidade. Não dá para analisar nenhum processo social se você não entender a totalidade, agora o que é a totalidade? É tudo? Claro que é impossível você analisar tudo. Totalidade são as conexões em que se realizam os complexos que a sociedade vai criando. Seria uma conexão de complexos de complexos, o que isso quer dizer? É que a sociedade não é só econômica, a sociedade não é só cultural, a sociedade não é só ideológica, ela não é só religiosa, ela é tudo, ela é uma articulação simultânea de múltiplas determinações. Daí uma frase clássica de Marx, também desse prefacio de 59, que vale a pena ser transcrita. É uma frase em que ele fala sobre o concreto, no sentido de que a sociedade em sua complexidade, é algo concreto, ele diz: "O Concreto é concreto, porque é síntese de múltiplas determinações, a unidade da diversidade". Quer dizer, só podemos entender a totalidade de um complexo social, se entendermos esse complexo como resultado, ou como unidade de uma diversidade, obviamente essa diversidade não se equilibra harmonicamente como analisava Durkheim. Pois para Durkheim a sociedade é harmônica, e para Marx a sociedade é um conjunto total de contradições, ela se equilibra pela contradição, não se equilibra pelo harmônico. Para Marx a infraestrutura seria a base econômica e a superestrutura seria a base ideo-politica jurídica, mas isso é uma separação que reduz o conjunto do pensamento de Marx, poderíamos usar isso apenas como aspecto didático.

O valor da mercadoria

O capitalismo como toda forma social, possuí uma ideologia, num sentido de um conjunto de ideias que se auto explica, em geral há uma explicação falsa, fantasiosa de que o que cria o valor da mercadoria é o mercado, mas Marx nos explica bem que a mercadoria é o resultado do processo de trabalho, isso quer dizer, que o valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho necessário para produzir essa mercadoria, na mercadoria está contida não só o tempo de trabalho, como o próprio trabalho do trabalhador, morto e materializado, ou seja, quando você olha uma mercadoria; você olha um telefone celular, ele não tem vida própria, ele é produto de um ser humano e dentro desse celular tem o trabalho materializado de um ser humano, e esse trabalho, essa parte do trabalho, ela é uma parte essencial do valor da mercadoria, ou melhor, é a parte fundamental do valor da mercadoria. A mercadoria, seu valor, é determinado pelo tempo que o trabalhador leva para produzi-la. Dentro desse valor está a mais valia e obviamente também nesse processo de produção, há uma parte do trabalho que paga o próprio trabalho do trabalhador, mas é a menor parte.
Cliente: Mas se estes relógios custam dez dinheiros para serem feitos,
e você os está vendendo pelo mesmo preço,
de onde vem o seu lucro?
Relojoeiro: Nós temos que consertá-los.
Salário, Preço e Lucro

O capital é a obra da vida de Marx, ele morre sem terminar o capital, e na verdade, ele redigiu mesmo e fez a revisão, só do primeiro volume, os outros dois volumes foram compilados por Engels e publicados postumamente.

O "Salário, Preço e Lucro" é uma forma didática que ele encontrou – porque Marx não era um acadêmico, ele não era um professor universitário, ele era um militante do movimento operário, claro que ele fazia parte do seu núcleo intelectual, porque ele não era o único intelectual do movimento operário, ele fazia parte de um núcleo intelectual do movimento operário, junto com Engels, mas junto também com outros pensadores, militantes, e onde todos eles produziram num determinado momento de suas vidas não só uma polemica teórica para tentar obviamente paramentar o movimento, organizar e dar diretivas para o movimento operário, mas também para tentar entender o próprio processo dialético do capitalismo e do movimento operário – então, "Salário, Preço e Lucro" é um texto didático, em que ele explica a diferença entre o preço da mercadoria, o valor da mercadoria e o lucro da mercadoria, é uma tentativa de divisão didática do complexo no processo produtivo. Para Marx o processo produtivo é um processo articulado, ele não era só a fábrica, não era só o momento da produção, mas era todo um conjunto que ele chamou de produção, circulação, distribuição e consumo, então se pode dizer que o processo produtivo é dividido em quatro etapas que se articulam dialeticamente, produção, distribuição, circulação e consumo.

Uma sociedade pretendida e possível segundo a sua avaliação, era uma sociedade em que os produtores vivessem de forma associada, o que ele chamou de sociedade dos produtores associados, nos manuscritos de 44, ou comunismo, por isso que se costuma dizer também que a visão de Marx, era uma visão da possibilidade que o capitalismo criaria para sua própria superação, ou seja, o desenvolvimento de forças produtivas, o desenvolvimento cientifico, o desenvolvimento tecnológico, criariam as condições, primeiro de compreender a relação entre o homem e a natureza, porque vale lembrar que para Marx, na sua concepção de ser humano, o ser humano possuía dois corpos, um corpo orgânico e um corpo inorgânico. O corpo orgânico é o corpo das pessoas, o corpo inorgânico era a natureza, ele disse que é impossível que você pense um ser humano que viva fora da natureza, ele tem que depender do oxigênio, da pressão atmosférica, da agua, enfim, do sol, porque ele é um ser, ele tem um aspecto biológico, só que o ser humano também não é um ser naturalista, ele é um ser que transforma a natureza, ele cria um mundo humano, um mundo em que a presença do seu trabalho cria as suas formas de existência, e mais do que isso, o olhar humano é inclusive olhar para a natureza e humanizar a natureza, ou seja, dar a natureza uma intensão humana que ela não tem; como diria Marx, o capitalismo na verdade seria a ultima forma – que ele chamou – de "pré-história da humanidade", em que sentido? É a ultima forma social em que o homem para poder viver, explora o próprio homem.
O aumento do pagamento é igual ao aumento da produção?
Marx disse ainda, que com os recursos e as condições que capitalismo cria, é possível superar esta forma de exploração do homem pelo próprio homem e se criar uma sociedade de produtores associados, onde para se viver não é necessário explorar o trabalho do outro, e mais, com os recursos tecnológicos – e isso ele disse no século XVI, agora imagine, pois estamos no século XXI – e científicos que o capitalismo cria, você diminui o tempo de reprodução da vida. Porque o que é o trabalho? É a reprodução da vida, então o tempo de se estar na fábrica, ou no escritório deveria ser reduzido, e o seu tempo de lazer, o seu tempo para si mesmo e para os outros deveria ser muito maior, então seria uma sociedade baseada em outra lógica que não essa lógica que nós conhecemos, por isso é importante acrescentar que a humanidade não viveu nenhuma experiência comunista, o que se viveu até hoje foram experiências socialistas, e vamos analisar isso do ponto de vista de Marx, que há uma diferença entre o socialismo e o comunismo para Marx.

Marx explica que o socialismo é a primeira fase do comunismo, onde se prepara a transição do capitalismo para o comunismo, e isso também tem uma implicação importante politica e filosófica, ele diz que a humanidade ao longo de milênios se acostumou com o estado, com as formas de poder, com divisão de classes, ou estamentos, ele diz que para desacostumar a sociedade ao estado, ao poder, ao exército, a polícia e as normas opressivas e formas de alienação da sociedade, principalmente o estado como uma forma de alienação, porque o estado intervém e tira do ser humano a sua autonomia; é necessário que você tenha um período de transição que ele chama de socialismo. Onde na verdade o estado se prepara para a sua auto dissolução, e nós não vivemos isso ainda, a própria experiência do socialismo se se pensar na Revolução Russa, que é a primeira grande revolução socialista em 1917, em vez de se preparar para dissolver o estado, ela criou um estado maior ainda, muito ao contrário do proposto por Marx; ela não dissolveu o estado, então obviamente essa experiência socialista apesar de ter tido alguns elementos de socialização da produção, de distribuição social da mais valia, de distribuição social de cultura, de acesso à educação, de acesso à saúde, de acesso à habitação, etc., também por outro lado, não vivenciou uma ampla liberdade individual, porque essas sociedades socialistas que existiram, tiveram grandes problemas de democracia interna, acabaram se transformando em ditaduras de partido e não em sociedades onde o centro seria a própria sociedade, isso significa que são experiências curtas em termos de história, são mais ou menos oitenta e sete, ou oitenta e oito anos de experiência socialista, contra quatrocentos anos de construção capitalista; na verdade a ideia de comunismo de Marx está muito mais realizável hoje do que se nós pensarmos no início do Século XX.

No Século XXI há mais capacidade civilizatória, tecnológica, cientifica e cultural para se pensar em uma sociedade nos moldes que Marx tinha pensado, uma sociedade de solidariedade, de produtores associados, sem estado, auto gerenciada, uma sociedade em que não há nenhum tipo de opressão que não seja decidida coletivamente pelas pessoas.

A revolução como caminho

Marx também fazia muita questão de não ser adivinho, então qual era a experiência de Marx? Qual era o laboratório de Marx? Era a história, aquilo que a humanidade tinha experienciado, então o que ele tinha como referencia? Todas as transformações humanas, todos os embates contra qualquer tipo de opressão, sempre acabaram em confrontos duros. A própria burguesia quando começou a confrontar o poder feudal, ela confrontou o poder feudal de diversas maneiras, inclusive no final de forma armada, é só pensarmos na Revolução Inglesa do Século XVII, a revolução de Cromwell foi uma revolução de confronto armado, exercito popular de um lado, exercito aristocrático do outro, a Revolução Francesa foi uma grande convulsão, foram confrontos armados, e a Revolução Americana, que também foi uma revolução burguesa, revolução anticolonial, revolução democrática, burguesa e anticolonial, é uma revolução; os exércitos anticoloniais de um lado, os exércitos coloniais e ingleses do outro, confrontos armados, quer dizer, Marx olhou e disse, qual é a forma de você confrontar a opressão a não ser com o poder, o contra-poder daqueles que são oprimidos, e antes das revoluções burguesas as outras revoluções, sempre se confrontando na força, porque quem detém o poder não vai entregar o poder de graça.
A Liberdade Guiando o Povo, de Eugène Delacroix
E se Marx visse a sociedade hoje

Marx ficaria espantado por dois motivos; primeiro ele diria o seguinte: "Tudo aquilo que eu avaliei, que eu analisei, está acontecendo. A mercadoria se transformou, não é mais um fetiche mais é uma reificação, o mundo vive uma reificação, todas as relações sociais se mercantilizaram", imagine Marx caminhando pela Avenida Paulista e olhando as revistas de mulheres nuas, ele diria: "Está aí um ser humano que virou mercadoria de vez; se vende pessoas nas ruas". Ele diria que a mais valia se realiza hoje de uma forma brutal, de que é uma concentração, de que aquilo que ele dizia que era uma tendência,a aconteceu, a fusão do capital financeiro com o capital industrial, que é o capital monopolista do mundo contemporâneo.

E também diria o seguinte: "Poxa vida, essas experiências socialistas falharam e falharam muito". Porque Marx era um crítico, ele dizia que não há verdade absoluta tudo é relativo e tudo é absoluto ao mesmo tempo, tudo que é sólido se desmancha no ar, essa é uma frase de Marx, é uma frase de um manifesto comunista. Marx faria uma dura critica as experiências socialistas, como ele já fez na comuna de Paris, que foi a primeira tentativa de tomada do poder pelos trabalhadores em Paris em 1871, e a primeira forma didática que Marx usou para mostrar que a tendência de se construir o poder dos trabalhadores, é transformar os trabalhadores em classe dominante – porque até então ele não havia feito essa formulação, porque ele dizia o seguinte, nos vamos tirar a classe dominante, desmontar a sua estrutura de poder –, depois  da experiência da comuna de Paris, ele diz que só é possível desmontar a estrutura de poder se a classe trabalhadora, se os oprimidos, os trabalhadores, os proletários e seus aliados, os camponeses, se transformem em classe dominante. Um pouco aquela ideia que vai estar presente em textos muito específicos de Marx, daquilo que mais tarde vai se teorizar muito na ditadura do proletariado.

A ideia da ditadura do proletariado tem muito pouco de ditadura para Marx, porque a ideia de ditadura do proletariado seria os trabalhadores se constituírem como classe dominante para combater a ditadura do capital, uma sociedade que é comandada pelo capital, comandada pela mercadoria, você vende sua força de trabalho, na sua força de trabalho o preço não é dado por você, mas é dado pelo patrão, e você tem que comprar tudo, tem que pagar tudo, você está todo subordinado a produção de mercadorias, é uma ditadura, quer dizer, como eu me contraponho contra a essa ditadura? Com a ditadura dos trabalhadores.
Ditadura do Capital
Mas ao mesmo tempo ele diz: "A ditadura do proletariado emancipa não só o proletariado, mas emancipa a humanidade, eu não estou preocupado; a minha teoria não é uma teoria da vingança", e ele fez varias polemicas sobre isso, "não estou pregando a vingança, nós vamos tomar o poder e vingar de quem nos oprimia", ele falou, "isso só vai recolocar o sistema de opressão, e eu só posso pensar em emancipar a humanidade" – emancipar do que? Da opressão? – "se eu libertar os oprimidos e libertar os opressores da opressão, ao fazer a revolução socialista rumo ao comunismo, eu só posso fazer essa revolução se eu tiver como perspectiva a emancipação de toda a humanidade".

Para Marx a ideologia era uma falsa consciência, ele escreveu junto com Engels, um livro chamado "A Ideologia Alemã". No subtítulo fica muito mais clara a critica da ideologia em geral e em particular a ideologia alemã. O que quer dizer isso? Ideologia para Marx era uma visão idealizada do mundo, era uma falsa consciência, então ele fez uma crítica da ideologia em geral, ou seja, do conjunto do pensamento ocidental e particularmente do pensamento alemão, nas figuras de Bruno Bauer e Max Stirner, e de outros pensadores idealistas, todos eles advindos da corrente da esquerda hegeliana, então, por exemplo, para Marx ideologia significava uma compreensão falsa da humanidade, daí esta dureza dele em combater as ideologias; Marx era caustico em relação à questão ideológica.

Críticas ao pensamento de Marx

Algumas críticas ao pensamento de Marx são pertinentes e outras são infundadas, e algumas ainda são produtos de pessoas que nunca leram Marx e ainda assim fazem criticas a Marx.

Comecemos por aquelas que não têm fundamento. Há todo um núcleo no pensamento de Marx que tenta articular a realidade com a teoria, nenhuma formulação de Marx está desconectada do mundo real, Marx era rigoroso nessa questão, tinha o espirito cientifico muito aguçado e uma rigorosidade conceitual muito forte, ele não inventava nada, tudo aquilo que ele descrevia eram dinâmicas que ele via no mundo real e ele mesmo dizia, "não dá pra fazer nenhuma abstração se essa abstração não tiver como fundamento a realidade".
Dinâmica do Capitalismo
Segunda questão da critica de Marx. Marx vale para o século XIX, não vale para o século XX e nem para o século XXI, isso é também uma incorreção analítica na medida em que, quando Marx analisa o capitalismo – a dinâmica do capitalismo –, ele demonstra, e a sua teoria social demonstra que essa dinâmica não se alterou no seu fundamento, quer dizer, o capitalismo continua sendo uma sociedade movida pela produção de mercadorias, continua sendo uma sociedade que compra e vende força de trabalho, continua sendo uma sociedade baseada na propriedade privada dos meios de produção, portanto a estrutura fundamental do capitalismo continua funcionando, e existe ainda outra crítica que a teoria de valor de Marx não é valida, quer dizer, fica muito difícil dizer que a teoria de valor de Marx não é valida justamente numa sociedade que é baseada na produção de mercadorias e essas mercadorias geram o movimento não só do capital que ela produz, e esse próprio capital criou hoje uma dimensão tão grande que também se transformou na mercadoria, num grande fetiche; então, fica muito difícil fazer em geral essas três criticas básicas a Marx.

O que é pertinente? Pertinente é dizer o seguinte, muitas das análises de Marx estavam datadas, obvio, porque Marx nunca se propôs a ser 'bidú', ele se propôs a ser um analista da sociedade, então obviamente ele não poderia analisar aquilo que ele não viveu, ele morreu no século XIX, finais do século XIX. Você pode dizer que muitas das conexões que Marx fazia da analise das classes sociais hoje já não se sustentam por si só, claro, mas se parte do pressuposto de Marx para se entender o mundo de hoje. O que é válido em Marx? Sua critica ao sistema de funcionamento do capitalismo, ela está absolutamente de pé, e fundamentalmente – o que é importante ressaltar –, o essencial de Marx é o método; método que tenta aprender o mundo em seu movimento, em suas contradições, em suas complexidades, Marx jamais criaria um tipo ideal como Weber criou, ou um tipo social como Durkheim criou. Para Marx todas as categorias analíticas são históricas, portanto elas têm data de validade também, só vale falar de mercadoria no capitalismo, se eu entender a função da mercadoria que ela tem no capitalismo, porque a mercadoria sempre existiu, o próprio Marx disse isso; agora se eu tenho essa mercadoria, por exemplo, no mundo antigo, no mundo dos Romanos, dos Gregos, ela tinha um valor de uso, eu comprava essa mercadoria e ela tinha um valor também, porque ela também tinha trabalho morto, materializado do ser humano, mas eu comprava essa mercadoria para consumir, eu precisava de um casaco e comprava um casaco para vestir, por sentir frio, no mundo do capitalismo a mercadoria ganha outra dinâmica, aí Marx explica que, aqui ela tem outra característica e o mercado que se tem no capitalismo não é o mesmo mercado que se tem no mundo antigo. Poderiam perguntar o seguinte: "Poxa, mas os fenícios não eram grandes comerciantes do mundo antigo? A Grécia não era uma grande 'talassocracia'" – que significa uma grande potencia marítima comercial? Era, mas o quê que se circulava ali? Mercadorias? Sim. Mas era o excedente da mercadoria, porque antes de qualquer coisa, se produzia mercadoria para o consumo, para eu comer, para você comer, para se vestir. O que sobrava circulava e se trocava.
Mercado de Flores. (Tulipomania?)
No capitalismo se produz essencialmente para o mercado, então ela tem outra característica, então não se pode colocar o mercado do mundo antigo com o mercado do mundo contemporâneo, são coisas diferentes. O método de Marx, é muito rígido, é muito rigoroso, quer dizer, não dá para analisar nenhuma categoria fora do seu tempo e de seu espaço histórico. Isso é o que se preserva de Marx no aspecto fundamental, no seu método, a sua capacidade de aprender as dinâmicas e as complexidades das dinâmicas sociais, suas articulações e sua historicidade.

Educação

Marx não tem nenhum estudo sistematizado sobre educação, mas ele dá algumas dicas. A dica fundamental é de que a ação humana é uma ação educativa permanente, quer dizer, a ideia da práxis – quer dizer, fazer aprendendo e aprender fazendo, a conexão de que o ser humano é produto de si mesmo, tem uma intrínseca noção pedagógica, de que o homem se auto educa, através de sua ação. Então ele diz que nas sociedades em geral, toda a estrutura educacional visa legitimar a sociedade existente, isso aconteceu no passado e no capitalismo não é diferente, só que o capitalismo é a primeira forma econômica da humanidade que funde de maneira estreita: produção, conhecimento e o trabalho.
Fazer aprendendo e Aprender fazendo
Isso, pois a ampla produção de mercadorias exige uma permanente criação de recursos técnicos e científicos para poder aumentar o processo produtivo, isso gera obviamente contradições; a educação não é meramente uma educação como era no passado, doutrinária, ainda que o doutrinarismo continue presente no capitalismo, mas se você pensar que na idade média toda educação era somente doutrinária, você estudava somente a partir dos núcleos e dos parâmetros do cristianismo, isso desaparece no capitalismo, quer dizer, você vai ter o surgimento de um pensamento materialista, o surgimento de um pensamento laico e a própria necessidade da ciência vai formar as pessoas num espirito muito mais aberto, muito mais no espirito da curiosidade do querer saber, da laicidade, porque é necessário ser laico no capitalismo, mais do que nas outras formas sociais, portanto, isso nos ajuda a compreender que para Marx a educação era fundamental no sentido de que as pessoas se apropriassem de tudo aquilo que a humanidade tinha produzido.

O capitalismo, a primeira coisa que ele faz é separar o estado da religião, ele cria um estado laico, mas, ao mesmo tempo em que ele cria um estado laico ele continua com o núcleo doutrinário. Qual é o núcleo doutrinário? Que o capitalismo é muito bom, que as formas jurídicas que o regem são boas, que é boa a propriedade privada, que é bom vender e comprar força de trabalho, esse tipo de coisas, e isso o capitalismo faz várias maneiras.

E Marx diz: "O acesso à escola no sistema capitalista é seletivo e é de classe, obviamente se você pertence as classes dominantes você vai ter um ensino muito mais sofisticado, você vai ter acesso a escola muito mais facilitado; a escola, a universidade, porque você tem dinheiro, você tem condições e obviamente aquele que é filho do proletário, vai ter o acesso a escola que dê condições para que ele manuseie as máquinas. Quando ele aprender tudo aquilo que ele precisa para manusear as máquinas já está muito bom; ir para a universidade é outra questão, não precisa, porque ele não precisa ser médico, ele tem que ser operário", e se analisarmos hoje, é o que corresponde um pouco com a realidade, só que no mundo contemporâneo também as contradições do capitalismo vão criando outras questões, por exemplo, na medida em que se sofistica o processo produtivo, em que o processo cientifico da produção é muito maior, obviamente o trabalhador precisa agora ter um ensino muito mais sofisticado, então ele vai ter que ter o acesso ao conhecimento muito mais sofisticado, você imagina que hoje vive em uma sociedade da robótica, da química fina, da informática, então obviamente o trabalhador precisa ter acesso a engenharia eletrônica, ter acesso a engenharia biotecnológica, então obviamente que essas contradições vão se agudizando, e o que Marx chama de 'o motor da historia', a luta de classes entre os oprimidos e os opressores vai ganhando novas dimensões e novas formas – e diria – novas qualidades.

Há uma coisa que é necessária dizer, que a escola é um aparelho ideológico do estado, como diziam do aspecto doutrinário da escola, a escola é um reprodutor do sistema, isso para todas as sociedades humanas, as escolas, os núcleos de ensino foram reprodução dessa própria sociedade, a legitimação ideológica dessa sociedade, quando Marx diz que o ensino tem que ser politécnico, ele quer dizer, que se você falasse nos termos contemporâneos que o homem tem que ter amplo acesso ao conhecimento, agora é claro que você em uma sociedade tão tecnológica e tão especifica, algum tipo de especialização você tem que ter, pelo menos nessa sociedade que nós vivemos, não há como saber como vai ser no futuro, mas é claro que você não necessita, para ser engenheiro, somente aprender engenharia. Porque você não pode ser um engenheiro que aprenda história? Que aprenda filosofia, que aprenda arte, que conecta a ação de engenheiro com o conjunto da humanidade, e assim as outras profissões.
Politécnica segundo Marx
É isso o que Marx queria dizer, o politécnico seria a ampla visão daquilo que a humanidade produz, porque tem outra máxima que Marx gostava de usar: "Nada do que é humano me é estranho", quer dizer, nessa outra máxima, tudo aquilo que a humanidade produz eu tenho que saber, eu tenho que ter pelo menos o direito de poder conhecer, o direito de poder ir, o direito de visitar o Louvre, o direito de um dia poder visitar a pinacoteca do estado, é isso que ele quer dizer.
Grato pela atenção!