domingo, 5 de janeiro de 2014

Rios Violentos, ou Maquiavélicos?

"Comparo a fortuna a um desses rios violentos que quando estão enfurecidos causam inundações na planície, derrubam árvores e edifícios. Todo mundo foge diante deles. Todos os rendimentos de seu ímpeto. Não há possibilidade de resistência. No entanto, embora seja a sua natureza, podemos ainda tomar precauções quando eles estão fluindo tranquilamente, construindo represas e diques para controla-los em tempo de inundação. Assim é com a fortuna." – capítulo 25 ('fortuna', ou a história humana) de 'O Príncipe', de Nicolau Maquiavel.
Rios violentos da história humana
"Caro Sr. Governante, sinto-me honrado por ter pedido meus conselhos quando assumiu as responsabilidades terríveis de sua função pública. Posso oferecer várias regras de ouro, que acredito que o tempo e a experiência tem provado serem úteis. Aja com ousadia no começo. O público tem atenção por pouco tempo e isto vai fazê-los esquecer as realizações de seu antecessor e impressioná-los com o seu vigor. Faça a sua primeira prioridade a proteção do seu poder. Sem ele você é inútil. Pareça rígido, mas seja flexível. Lembre-se, alguns dos maiores dons de Deus são desrespeitados em promessas de campanha." – uma paráfrase de palavras escritas no ano de 1513 por um funcionário civil demitido em Florença, Itália.

O funcionário? Nicolau Maquiavel. O que ele escreveu realmente? Um dos livros mais debatidos, perturbadores e importantes da civilização ocidental – que para alguns é o precursor da política moderna: 'O Príncipe'.
Nicolau Maquiavel
Nascido em Florença, em 1469, Nicolau Maquiavel foi nomeado secretário político pelo novo "regime republicano" em 1497, após a queda dos Médici e do seu sucessor, Savonarola. Ele frequentou tribunais italianos, alemães e franceses, bem como a Santa Sé. De 1499 a 1512, conheceu como diplomata todos os principais líderes do seu tempo, solicitando aos governantes de Florença que levantassem um exército para garantir a república. No entanto, o exército de 400 homens não conseguiria proteger Florença contra as tropas espanholas e papais.

Após a queda da república em 1513, os Médici voltaram ao poder, demitiram Maquiavel e descobriram um complô para derrubá-los. Eles tinham uma lista de conspiradores e o sétimo nome da lista era o de Nicolau Maquiavel. Apesar de os conspiradores nunca terem se encontrado com Maquiavel, isso não foi relevante, pois ele era um suspeito e os Médici não necessitavam de muitas desculpas para jogá-lo na prisão, onde foi torturado como suspeito de conspiração.

Na primavera de 1513, Giovanni de Médici tornou-se o Papa Leo X, e Maquiavel foi libertado pela anistia geral, mas com restrições. Ele estava limitado a permanecer na região de Florença. Barrado na prefeitura e banido da política, ele se aposentou em sua fazenda próxima à cidade e escreveu obras políticas, como 'O Príncipe', 'Discursos', 'A Arte da Guerra' e 'As Histórias de Florença'. Ele também escreveu romances, poesias e peças de teatro. Maquiavel nunca ganhou o favor da família Médici, morrendo pobre em 21 de junho de 1527, contudo seu legado permanece muito em voga hoje.
Segredos Políticos
E de certo modo, Maquiavel trabalha como escritor e conselheiro de governantes ao redor do mundo. E há mais do que uma metáfora aqui. Pois para muitos, Maquiavel inventou a política como a conhecemos hoje, e a política como conhecemos, nos mostrou nos últimos tempos que se apoia em Maquiavel, com seus conselheiros, estrategistas, marqueteiros, etc.

Maquiavel viveu quando novas ideia e tecnologias estavam mudando para sempre as realidades do poder e as noções de governo. Assim como nós. E seu conselho para analisar cuidadosamente as exigências para o sucesso, sem perder a coragem de agir, parece hoje, dolorosamente relevante.

Alguns leitores de 'O Príncipe' sentem cheiro de enxofre em suas páginas. Outros acham que é mais parecido com amônia, repugnante, mas profundamente esclarecedor. E na verdade, grande parte do que Maquiavel escreveu, simplesmente descreve como as coisas eram realmente feitas em seu tempo.

De todo modo, lhe convido a viajar comigo pelos conselhos deste mestre da política, realizando o exercício de visualizá-los nos dias atuais. (E para conhecer mais sobre Maquiavel e seu livro: 'O Príncipe', há um ótimo documentário em: Grandes Livros: O Príncipe).

Antes de abordar as temáticas do livro, gostaria de desejar a todos os amigos que acompanham o Mirtu's Blog, miríades de felicidades neste ano que se inicia. Um ótimo 2014 para todos nós, que todos busquemos mais conhecimento e tenhamos a capacidade de perseverar naquilo que acreditamos. Esse é um ano importante para todos os brasileiros, em que muitos eventos acontecerão e muitas decisões serão tomadas, então vamos começar hoje a entender um pouco mais sobre os meandros da política e tentar não deixar que sejamos manipulados pelos que dominam essa arte.

'O Príncipe', de Maquiavel:
O Príncipe
As formas de governo

As pessoas vivem sob dois tipos de governo: ou são cidadãos de um Estado Livre, como uma República, ou são súditos de uma Monarquia. Um líder pode chegar ao governo por herança, ou através da obtenção de novos territórios. O líder pode ser o fundador de novas entidades, ou pode conquistar cidades e regiões existentes. Um líder que herda o seu reino encontrará menos problemas tanto em governá-lo como em mantê-lo. Em primeiro lugar, o povo aceita e respeita o seu poder, pois vem de uma longa tradição de liderança. E em segundo lugar, todos os potenciais oponentes estariam em desvantagem, uma vez que teriam de recorrer à crueldade para ganhar respeito, perdendo assim o apoio do povo.
Monarquia
A forma correta de conquista

A língua desempenha um grande papel no sucesso da anexação de estados. Quando o novo território agregado fala a mesma língua do território existente, o governante pode assumir o poder derrubando a família governante e mantendo as leis existentes. Na maioria dos casos, os cidadãos não vão representar problema algum. No entanto, para afirmar a sua autoridade e fazer a sua presença conhecida, um chefe de Estado deve sempre erguer uma residência oficial. A criação de colônias é uma forma barata e eficaz de aumentar o seu poder e é mais fácil do que conquistar países inteiros. No caso das colônias, um governante precisa desapropriar apenas alguns habitantes poderosos e empobrece-los o suficiente para que não mais representem qualquer ameaça significativa no futuro. Afaste-os e mantenha os seus aliados nas terras deles. Regra geral, procure tirar o homem forte do poder e tornar os menos poderosos seus aliados.

Mantendo o poder

Alguns reinos são mais difíceis de conquistar uma vez que possuem um único líder supremo, o qual é difícil de depor, ou eliminar. Caso consiga destronar tal soberano, o governo posterior será relativamente fácil já que você não terá que enfrentar senhores territoriais lutando por seus próprios interesses. Em alguns Estados, a tomada do poder é simples, mas mantê-lo é difícil. Um grande número de príncipes e nobres famintos pelo poder cercam o rei e é fácil formar alianças. Se você derrotar o rei, mas não conseguir desalojar os outros nobres, a manutenção do poder vai se tornar uma empreitada miserável. Depois de conquistar um território, são necessários 3 passos para se proteger:

1. Destrua a cidade capital. Esta é a coisa mais segura a fazer.
2. Estabeleça uma residência na região.
3. Crie um governo formado por cidadãos locais leais. Desta forma, o Estado pode manter as suas próprias leis, ainda assim atendendo a sua autoridade.
Estratégia
A conquista através da habilidade e sorte

Um governante que assume um império pela conquista deve usar as suas forças para manter o seu domínio. No entanto, um cidadão comum que se torna governante geralmente não tem um exército privado e, portanto, deve proceder com cautela. Caso tenha subido ao poder com a ajuda de alguém, deve agir com sabedoria para não perder a sua posição muito rapidamente.

Por exemplo, para subir ao poder, Cesar Borgia confiou demais no seu pai, Rodrigo Borgia, eleito em 1492 como o Papa Alexandre VI. Cesar Borgia viu a sua chance de assumir a Romagna, na Itália, quando o papa concedeu ao rei francês a dissolução do seu casamento e o monarca expressou a sua gratidão enviando tropas para o papa. Com esse poder, Borgia logo nomeou a si mesmo duque. O novo governante usou todos os meios para consolidar o seu poder. Ele assassinou os seus adversários políticos e escolheu um novo governador, Remirro Del Orco, um espanhol conhecido por sua crueldade. Na época, a Romagna estava à beira da anarquia e Del Orco restaurou a ordem com mão de ferro. No entanto, seus métodos severos tornaram o governo extremamente impopular. Para se distanciar das ações de Del Orco e trazer a opinião pública para o seu lado, Borgia executou o governador, colocando os seus restos mortais em exposição para satisfazer as massas. Para eliminar a ameaça de um novo papa, o que teria sido perigoso para ele e seu pai, Borgia depôs toda a família reinante e conquistou a simpatia dos nobres de Roma e da maioria do Colégio de Cardeais. Como uma medida extra, se esforçou para ampliar o seu poder com novas conquistas. No entanto, antes que obtivesse êxito, o seu pai morreu e ele adoeceu gravemente. Por fim, foi incapaz de lutar contra o avanço dos exércitos espanhóis e franceses.

Outras formas de assumir o controle

Um cidadão comum pode se tornar governante de duas outras maneiras. Primeiro, ele pode usar o jogo sujo para subir ao poder. A sorte não desempenha papel algum aqui. O indivíduo assegura assim o controle de forma impiedosa e independente. Agátocles de Siracusa utilizou a astúcia para subir ao poder em 300 a.C. Filho de um oleiro, ele galgou a hierarquia militar e, eventualmente, foi atrás do título de Príncipe. Um dia, ele organizou uma reunião com cidadãos ricos e membros do Senado. Tendo reunido os mais poderosos, os guardas selaram as portas da sala de reunião e cada um teve um fim terrível. Depois disso, ninguém se atreveu a desafiar Agátocles. No entanto, este método de tomada do poder é covarde e Agátocles nunca vai ter lugar entre os grandes devido a isso. Caso seja necessário cometer atrocidades para conquistar o poder, um pretendente ao trono deve ser rápido e sempre em combate. Uma vez tendo conseguido o resultado desejado, ele deve conter as suas ações. Sob circunstância alguma deve continuar usando a força. Aqueles que expõem os seus súditos a graus crescentes de violência logo perdem o domínio.
Poder dos cidadãos
Em segundo lugar, os cidadãos podem subir ao poder quer com a ajuda de outros cidadãos como com a ajuda dos poderosos. O último caso é difícil porque cada um desses "homens poderosos" sente que ele mesmo deve governar e em grupo esses indivíduos poderosos procuram oprimir o povo. No entanto, líderes que sejam verdadeiros homens do povo reforçam o seu poder assegurando o apoio dos seus súditos. Se o povo antecipa que o seu governante será cruel, este pode promover boas ações para incentivar a lealdade do povo.

Sob cerco
Fortaleza
Um governante forte precisa geralmente de um exército particular para que possa se sair bem no campo de batalha. No entanto, caso um governante sem exército esteja sob cerco, o seu único recurso é recuar para uma fortaleza. Para tal, a cidade deve estar preparada com antecedência. As cidades imperiais na Alemanha são protótipos de tais "cidades livres". Elas são tão bem protegidas e abastecidas que podem suportar facilmente um cerco de um ano. Este longo período deixa os atacantes vulneráveis à mudança das estações e na maioria dos casos eles são forçados a recuar vergonhosamente. Outra arma no arsenal de um governante é a popularidade. Se for admirado, as pessoas vão permanecer leais e um atacante estrangeiro terá maior dificuldade em penetrar as defesas da nação. Finalmente, a liderança espiritual é uma ferramenta útil: quando o governante promove as tradições e o culto a Deus, os seus cidadãos não ousam se rebelar.

Forças mercenárias
Exército forte
Quem procura consolidar seu governo precisa de boas leis e um exército forte. Aqueles que precisam contar com soldados mercenários acabarão por enfrentar traição e infidelidade. Estes soldados servem os seus senhores por ganância, não por honra ou dever. Eles são geralmente desonestos e roubam o povo em tempos de paz. Em tempo de guerra, os mercenários muitas vezes se acovardam e podem até mudar de lado. Os líderes mercenários são especialmente perigosos: se forem experientes, procuram atrair o poder para si mesmos. Líderes mercenários amadores, por outro lado, danificam o país através de uma gestão deficiente.

A arte da guerra
Preparação Estratégica
Um governante nunca deve negligenciar a arte da guerra, pois se espera acima de tudo que ele se destaque na guerra e na defesa. Muitos cidadãos já subiram ao poder aperfeiçoando as suas habilidades de guerra e técnicas de batalha. O oposto também é verdadeiro: muitos governantes foram depostos por terem evitado ir à guerra. Mesmo em tempos de paz, os líderes devem manter os seus exércitos prontos para a batalha. A preparação é a chave para a vitória. Um Príncipe também deve conhecer os seus territórios como a palma da mão, já que ele não vai querer cair em seus próprios pântanos ao tentar enganar o inimigo. O governante sábio deve aprender com as lições de outros que tiveram sucesso nas batalhas.

Melhores práticas
Perspectiva
Não há benefício algum para um líder aderir a ideais. Rodeado por pessoas sem escrúpulos, a pessoa boa será derrotada inevitavelmente. Se um governante possui certas virtudes, melhor. Se ele possui falhas de caráter, deve mantê-las escondidas. As pessoas acreditam no que veem sem investigar mais profundamente o assunto. Por exemplo, a generosidade é em grande parte uma característica inútil para um chefe de Estado. Eventualmente, ele vai ter que aumentar os impostos e logo as pessoas vão passar a odiá-lo. Quem tem a reputação de avarento não deve tentar mudar isso.

Um príncipe deve ser amado e igualmente temido. Se ele tiver que escolher apenas um ou outro, ele deve optar por disseminar o temor entre o povo, mas não tanto que se transforme em ódio. Ser caridoso demais alimenta a anarquia, ao passo que, através da crueldade, a paz é mantida. Um governante bondoso raramente pode contar com a gratidão dos seus súditos: eles se tornam instáveis e não retribuem a sua bondade.

Caso seja necessário, o chefe de Estado pode quebrar a sua palavra. Afinal, isso é algo que todo mundo faz. No entanto, ele deve ter uma razão válida para essa quebra de promessa. Quem consegue criar uma aparência de virtude absoluta estará em uma posição forte. O povo acredita no que vê e segue o soberano com prazer.

Empregue ministros capazes e que sejam comprometidos com os interesses do Estado. Se eles forem confiantes e inteligentes, permita-lhes que digam a verdade ao invés de bajulá-lo quando as coisas não vão bem. Insights são mais úteis do que elogios. Leve em conta as seguintes precauções finais:

• Nunca mexa com os bens ou mulheres dos cidadãos.
• Proteja os seus meios de subsistência e incentive o trabalho.
• Incentive os festivais e encoraje as celebrações. Isso deixa as pessoas mais felizes.
Maquiavélico?