quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Em algum lugar por aí...

Nosso poeta andarilho certa vez passava por uma pequena cidade, onde foi morar uma antiga amiga de infância que há muito não via. Era época de festa típica na bucólica cidade e todos estavam reunidos no recinto se divertindo, bebericando e rindo.

Os amigos se encontraram como se nunca tivessem se distanciado, o abraço apertado, o sorriso rasgado e a certeza de que não havia distancia que afastasse aquele laço afetivo que compartilhavam. Conversaram pela noite a fora, lembrando casos e travessuras de criança, brincadeiras que pareciam tão ignóbeis olhando agora, que cada lembrança tirava uma gargalhada deles.

Ela continuava com os olhos faiscantes de quando pequena, e a lembrança do pai ainda lhe fazia piscar mais rápido. Havia dois anos que ele tinha morrido, mas algumas coisas continuavam em sua lembrança, algumas boas, algumas nem tanto. O poema-conto que vocês vão ler hoje é uma expressão fiel de algumas coisas que não deveriam acontecer...

... sendo assim:

Olhos de Menina

Ela têm uma tatuagem de um cavalo alado,
e vive num mundo diferente desse nosso.
Ela disse que deixou de fazer uma porção de coisas,
que o pai dela têm abusado dela e que ela têm andado com medo.

Ela ganhou um anel de diamante no aniversario.
Papai comprou um grandão que chamasse atenção,
e mamãe lhe disse que era um presente lindo.
Enquanto isso ela pensava em como sair da cidade.

Ela tem aqueles olhos brilhantes de menina
e um coração forte como uma pedra.
Acho que um dia desses ela vai mandar tudo pelos ares,
pois esta cansada de ser usada.

Às vezes eu a vejo sobre o telhado do teatro.
Ela tem subido lá e pensado que talvez seja melhor morrer.
Ela me pergunta por que estas coisas acontecem,
e me perco sem saber responder.

É um caminho difícil, este que destrói sonhos e causa dor.
Ela tem carregado o mundo sobre os ombros
e ninguém deveria pagar um preço tão alto.
Ela tem vivido em fogo ardente, e têm pedido a Deus que mande alguma chuva.

Papai é um homem respeitado, ele vai à igreja com a família.
Sempre têm alguém para dizer que andou fazendo o bem,
mas ninguém sabe que dentro daquele anjo reside um demônio.
Ultimamente ele tem gastado muito dinheiro mantendo o juiz embriagado.

Ele comprou o primeiro carro importado da cidade
e têm ouvido os amigos gritarem "Quero ser o próximo à guiar".
Até o chefe da policia apareceu para ver o carrão
e tomar um copo do melhor whiskey da região.

Quando toda cidade fica em silêncio o anjo recolhe suas asas.
Mamãe já esta dormindo, dopada por dois vidros de calmante,
e papai vai se realizar mais uma noite.
Ela tem se arrepiado só de ouvir aqueles passos.

Debaixo da cama ela deixou algo guardado.
Desta vez ela têm um presente para o papai safado.
Ele entra no quarto com aquele sorriso sarcástico,
e passa a mão na cabeça da filha dizendo que vai ser legal.

Ela me disse que esta pensando em viajar, fazer uma porção de coisas,
que o pai dela nunca mais irá abusar dela e que têm estado tão calma.
Ele continua indo à igreja, e têm agradecido por estar vivo,
tendo sobrevivido ao acidente que o deixou aleijado.

O pessoal da cidade anda comentando que ele ficou doente,
e que por isso os médicos tiveram que amputar, que não foi acidente.
Ela tem aqueles olhos brilhantes de menina,
e toda vez que ela ouve esta história, me parece mais contente.

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