Assim como Dante foi ao inferno e voltou, Nótlim Jucks caminhou 15 dias pela terra inóspita de Niflheim, se encontrou com Hela – a deusa do frio eterno, do mundo dos mortos – e conseguiu o direito de regressar ao mundo dos vivos. A estonteante deusa imparcial julgou a alma do poeta e determinou que, ainda não era sua hora.
Como o Mirtu's Blog em sua essência depende dos textos de Nótlim Jucks, é com grande regozijo que felicitamos a volta do poeta, e para celebrar esse retorno iremos publicar um conto medieval produzido por Jucks, em homenagear aos deuses nórdicos. Temos o compromisso do poeta, de nos narrar sua jornada por Niflheim e o encontro com a deusa, para uma futura publicação. Por hora ficamos com o conto: A Majestade Reconquistada - digno das antigas sagas de heróis e cavaleiros.
Apreciem a beleza da fantasia: A Majestade Reconquistada
Ele estava há horas sentado em seu esplêndido trono, no Valaskjálf – o alto salão real, coçando suas longas barbas trançadas. Pousado no braço direito do trono, o corvo Hugin parecia irrequieto, ao passo que Munin, o corvo pousado no braço esquerdo do trono, parecia dormir; Odin, o senhor de Asgard, estava com o semblante tenso.
Em pouco tempo ouviu-se um bramido: "Caminsur! Venha cá Caminsur!" – e o pajem surgiu no salão como um raio saído do poderoso Mjölnir, o martelo do deus do trovão. Fazendo uma reverencia e ainda ofegante o pajem se dirigiu ao imperioso senhor: "Alteza, estou aqui. Peça e eu farei!". O rei dos deuses firmou seu único olho no rosto do rapaz e demandou: "Quero que você vá ao Valhala e chame o einherjar Myrsdrall, pois tenho uma missão para ele.".
O pajem olhou espantado para seu senhor e criou coragem para perguntar: "O senhor quer que eu vá buscar um dos guerreiros recolhidos pelas Valquírias?", e quase foi possível ouvir a lança Gungnir ranger nas mãos pesadas de Odin quando ele a apertou fechando ainda mais o semblante para o pajem: "Os einherjar são 'Os Guerreiros de Odin'... EU SOU ODIN, ENTÃO ME TRAGA MYRSDRALL AGORA!" – com os olhos esbugalhados e na mesma velocidade que entrou no salão, Caminsur partiu rumo ao Valhala.
Horas depois o rapaz voltou, trazendo consigo Myrsdrall, o guerreiro conhecido como 'Tormenta dos deuses'. Fez novamente a reverência ao rei dos deuses, seguido pelo guerreiro, então se pronunciou: "Magnificente Odin, as Valquírias não queriam me deixar trazer o valoroso guerreiro, mas ele as convenceu exaltando o senhor." – e Odin esboçou um leve sorriso: "Minhas filhas são obcecadas pelos treinamentos destes guerreiros, mas elas são igualmente obedientes a mim. Pode ir pajem, tratarei a sós com Myrsdrall!" – e assim o pajem mais uma vez se curvou e saiu, mais tranquilamente desta vez.
Myrsdrall fitou Odin sem encará-lo, de forma que não parecesse desrespeitoso e se dirigiu ao senhor de Asgard: "Meu senhor, o que deseja de mim?". Odin esticou uma das tranças de sua barba e espantou o corvo Munin que crocitou e alçou um vôo raso: "Preciso que você vá a Midgard!" – e levantou-se indo em direção ao guerreiro que o aguardava com postura solene: "Há algum dragão assolando as vilas do norte, senhor?" – e Odin apenas fez sinal que não com a cabeça: "Há algum gigante do gelo destruindo as plantações dos aldeões?" – e Odin mais uma vez fez sinal que não: "Então que missão requer minhas habilidades, senhor?" – Odin pousou as mãos no ombro do guerreiro e lhe disse calmamente: "Você deve ajudar a rainha Freyseulte." – e o guerreiro meio sem entender inquiriu seu senhor: "Ajudar como, senhor?" - Odin se voltou para o trono, olhou ao redor todo seu majestoso salão e suspirou dizendo ao guerreiro: "Freyseulte é filha da deusa Freya e do rei Mityrandur. Ela foi casada com o falecido príncipe Hagon, da casa dos elfos de Álflheim, e teve com ele uma menina de nome Brünnhilde, que um dia será importante ao lado de Siegfried, mas esta é outra história. Freyseulte atualmente vive com o general de Hagon, Plafindel, e Freya está preocupada com ela".
Myrsdrall coçou a cabeça, balançou-a de um lado para outro mordendo os lábios, então disse: "Senhor, eu sou um guerreiro. Eu mato dragões, gigantes, até mesmo bestas do mar; não sei que papel me cabe desempenhar nesta história que o senhor acabou de me contar." – e seus olhos fitaram o grande rei dos deuses com honestidade. E o rei dos deuses o olhou com firmeza: "Freya me pediu que protegesse Freyseulte, eu prometi que o faria. Sei que é tido entre os seus como 'Tormenta dos deuses', mas sei também que dentre todos os guerreiros do Valhala é o único com coração sereno o suficiente para proteger Freyseulte sem interferir na vida dela."
O guerreiro, ainda sem compreender muito bem sua missão se pronunciou: "Se é o que deseja de mim meu senhor, diga-me o que devo fazer e procurarei fazer o meu melhor." – e ao ouvir estas palavras Odin teve certeza que havia feito a escolha certa: "Você irá a Midgard e se apresentará no castelo Housevacker como dignitário da Northumbria; Fulla a acompanhante da rainha Freyseulte irá recebê-lo. Ela se encarregará de explicar a rainha e ao general Plafindel o motivo de sua estada com eles. Agora vá, fale com Heimdall, ele te ajudará a cruzar a ponte para Midgard. E lembre-se, sua missão é proteger a filha de Freya, ela não quer que você interfira na vida de Freyseulte."
Então, assim como pediu Odin, Myrsdrall fez; procurou Heimdall que o ajudou a chegar a Midgard e logo estava ele diante do imponente castelo Housevacker. Incrivelmente a adorável Fulla o esperava com uma comitiva. Myrsdrall foi apresentado com honras à rainha Freyseulte e ao general Plafindel e logo se tornou membro indispensável da corte.
Myrsdrall agradou muito Plafindel com suas exibições notáveis de espada, machados e caçadas; e conquistou a confiança de Freyseulte a cada dia, de maneira que ele pudesse entender de que, ou de quem ele deveria protegê-la.
Com o passar do tempo, Myrsdrall percebeu que a preocupação da deusa Freya era devido ao general Plafindel. Ele praticamente governava o reino no lugar da rainha e em certos momentos governava a própria rainha, deixando-a como refém dele e de si mesma. Desta forma Myrsdrall cuidou de se aproximar cada vez mais da rainha, com intuito de cuidar dela, não deixando que Plafindel a sobrepujasse a todo instante. Porém esta aproximação despertou em Myrsdrall um sentimento que ele não conseguiu discernir corretamente, era um misto de encantamento e ternura, algo totalmente novo para o guerreiro.
Ocorreu neste ínterim de Plafindel ser chamado pelo rei Lothgar para uma festa em homenagem ao seu filho que acabará de nascer. Freyseulte mostrou-se indisposta em acompanhar o general até o reino vizinho e assim Myrsdrall se ofereceu para ficar com ela e cuidar do castelo até o retorno do general. Desta forma aconteceu, Plafindel saiu para sua viagem que demoraria no mínimo um mês e Myrsdrall conseguiu maior atenção da rainha.
Eles se tornaram confidentes e a rainha passou a lhe confessar que gostava muito de Plafindel, mas que ele a sufocava, tomando as rédeas do reino que pertencia a ela desde a mais remota descendência de seu pai Mityrandur. E encantado com tudo que se referenciava a rainha, Myrsdrall lhe contou porque era conhecido como 'Tormenta dos deuses' e propôs substituir Plafindel como general de seus exércitos. Algo que a rainha em principio não rejeitou, mas também não concordou.
Com o passar do mês Myrsdrall tratou de reforçar a idéia para a rainha e numa noite, quando todos estavam já recolhidos, ele confessou seu real desejo: "Minha rainha, Freyseulte, sei que não devo, mas preciso lhe dizer; no ultimo mês o Sol só brilhou quando viu seu sorriso, as flores só brotaram quando tocadas pelo seu olhar e eu só tenho vivido por estar ao seu lado." – e num gesto de ousadia tocou o rosto da bela rainha e nisso sentiu que ela se recolheu em si, como que surpreendida e ao mesmo tempo um pouco seduzida. Passaram-se os dias e houveram gentilezas, mas com os dias também chegou o retorno de Plafindel.
Com o retorno do general, Myrsdrall quis saber da rainha se ela tinha pensado em sua proposta e se havia tomado uma decisão, mas não foi preciso que ela respondesse, quando ele viu ao lado dela o general Plafindel, com toda sua pompa e arrogância, se comportando como o rei que ele achava ser. Myrsdrall então percebeu que não havia como demover a rainha de ter Plafindel ao seu lado, assim o guerreiro procurou a acompanhante da rainha, Fulla, que sabia da missão dele e lhe explicou que estava partindo, pois se Odin e Freya estavam preocupados com Freyseulte, ela estava decidida em seus atos e em como desejava conduzir seu reino.
No dia seguinte houve uma despedida rápida, muito menos pomposa do que a recepção de Myrsdrall como dignitário da Northumbria e assim o guerreiro partiu, rumando para a ponte que o conduziria de volta a Asgard.
Eis que no meio do caminho de Myrsdrall havia uma taverna que transbordava alegria por suas janelas e portas, então o guerreiro de coração e espírito alquebrados – coisa que nenhum homem no mundo podia saber que a 'Tormenta dos deuses' estava sentindo - resolveu aquecer coração e espírito com Hidromel. Foi uma noite agradável, que fez com que Myrsdrall se esquecesse de sua missão, mesmo porque ele considerou que sua missão havia findado por si só.
Foi quando olhou ao fundo da taverna, e viu uma jovem que muito lhe chamou a atenção. Decidido caminhou até lá e se sentou a mesa com ela: "O que faz uma rainha num lugar cheio de plebeus bêbados?" – perguntou com certo deboche e eis que a resposta lhe estranhou: "Dirija-se novamente a mim e meus cavaleiros lhe arrancarão a cabeça." – com olhar espantado o guerreiro apenas sussurrou: "Rainha Güindolyn?" – e ela o olhou mais atentamente e sorriu: "Eis que o homem que desejo que cortem a cabeça é a 'Tormenta dos deuses', o famoso herói Myrsdrall." – e depois deste reconhecimento mutuo, a rainha escondida e o guerreiro perdido fizeram companhia um ao outro.
Dias depois, quando Myrsdrall chegou à ponte Bifrost, que o conduziria a Asgard, um mensageiro foi ao encontro do guerreiro, trazendo uma mensagem da rainha Freyseulte, pedindo ajuda, pois o general Plafindel a havia trancado na torre do castelo e estava usurpando o reino com o pretexto de ela estar louca.
Mais que depressa Myrsdrall rumou para o castelo Housevacker e se pôs diante de seus portões bradando desafios ao general Plafindel. Quando os portões foram abertos, a guarda fiel do general partiu sobre Myrsdrall, e estes enfim entenderam porque o guerreiro era chamado 'Tormenta dos deuses', caindo assim um após o outro. O exercito ao ver a guarda tombada e conhecendo as intenções do general Plafindel, optaram por desertar de seu general, deixando-o a cargo de Myrsdrall.
O embate foi árduo, os dois oponentes rugiam como ursos enfurecidos, mas em dado momento Myrsdrall derrubou Plafindel por terra e aprontou-se para dar o derradeiro golpe, quando sua mão foi contida por duas mãos suaves e delicadas: "Não faça isso Myrsdrall. Plafindel foi longe demais, mas ele não merece esse fim." – indignado Myrsdrall tentou dissuadi-la: "Minha senhora, ele tentou lhe usurpar tudo. Deixe-me acabar com isso e eu lhe ajudarei a organizar o castelo, o reino." – então as mãos suaves e delicadas apertaram os braços de Myrsdrall e ela lhe falou com firmeza: "Você deve me proteger, sem interferir na minha vida!" – e ao ouvir isso o guerreiro baixou sua espada e se inclinou: "Desculpe-me senhora, por um momento esqueci essa recomendação!"
Com as coisas no castelo mais calmas, Myrsdrall decidiu partir logo que os primeiros raios do sol iluminaram as gotas de orvalho que haviam caído durante a madrugada. A rainha observou o guerreiro arrumar seus poucos pertences e desceu para falar com ele: "Decidiu partir Myrsdrall?" – ele a olhou encantado com o fascínio que ela lhe produzia, e respondeu: "Minha missão foi cumprida minha senhora!" – ela o olhou com franqueza nos olhos e disse: "Mais alguma rainha para proteger nobre guerreiro?" – num impulso ele levemente tocou o rosto dela e respondeu: "Nunca houve, nem haverá uma rainha como você! Mesmo sem ter a intenção, você conquistou mais um reino..." – e calmamente ele juntou a mão dela sobre o peito e continuou - "... sempre que precisar, estarei aqui! Minha rainha!" – concluiu dando-lhe um leve beijo na mão e partiu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário