domingo, 11 de julho de 2010

Kärlek

Depois de mais de dois meses sem falar com o mestre Issa, eis que o honorável me ligou de sua viagem. Mestre Issa partiu para Dharamsala no final de Abril e desde então não havia dado sinal de vida; muito feliz o mestre me ligou dizendo que estava voltando ao Brasil e que em breve gostaria de se encontrar comigo para conversarmos. Contei-lhe sobre os últimos acontecimentos da minha vida, as felicidades, dificuldades, encontros e despedidas e o mestre me transmitiu uma mensagem que repasso a vocês:

"Milton, adorável sonhador, gostaria muito de tê-lo trazido comigo nesta viagem, sei de seu fascínio pelas coisas do Tibet, mas esta era uma viagem que eu precisava realizar sozinho. Com relação ao que você me contou sobre sua tia, só posso recomendar que aqueles que a amam, a cerquem e lhe transmitam esse amor, pois o amor constrói, transforma e cura, este é o milagre que o Mestre dos mestres praticou, Ele realizou muito porque amou muito.

"Quanto às coisas que você carrega no coração, perdoe as palavras que são ditas ao vento, às vezes é mais fácil fazer um coração cego de paixão enxergar, do que fazer um coração perdido se encontrar. Sei que você não desistirá, pois é teimoso como um carvalho que reluta em se envergar, mas sei também que saberá quando for à hora de parar. Não se culpe pelo amor que mais uma vez lhe escapou pelos dedos, não é fácil desistir de algo quando se está sem nada; sei que seu coração implora que façam dele uma morada, mas seus sonhos não podem destruir a realidade dos outros.

"Milton, fique com Deus... ah quase me esqueci de te contar, consegui o autografo do mestre Tenzin. Você não veio a Dhasa, mas Dhasa irá até você. Beijo no seu coração filho, em breve nos vemos."

Pegando a deixa do mestre Issa, o Mirtu's Blog trás hoje mais um conto nórdico que retrata uma busca, às vezes insensata, às vezes pelas razões equivocadas, mas uma busca por algo que permeia cada relação do ser humano com o mundo, com a vida, com os outros e consigo mesmo. Este conto é a 2ª parte de uma história dedicada ao amor, mas como consideramos que não há perda em publicá-la antes da 1ª, assim segue, como dito na língua dos povos do frio: Kärlek

O deus Njord, que governava os mares, como contava meu povo, certa feita levou um de meus antepassados a uma das praias mais quentes que um Viking já pisou. Lá ele se enamorou de uma índia e teve como filho o glorioso Mirmhy, que na época em que eram escritas as palavras do Salvador, enfrentou o dragão Lohikaarmejään e saiu vencedor, se assim puder ser dito.

Vinte e cinco anos após Mirmhy ter entregado seu coração por amor a Asile - isso contando nos anos do Nosso Senhor Jesus Cristo, aconteceu no ano 123 - o dragão de gelo mais uma vez foi desafiado.

Após a morte de Mirmhy, Asile deu a luz a uma linda menina, a quem deu o nome de Kari'nina, em homenagens as deusas do ar e do fogo, com isso ela agradou os deuses de sua descendência Nórdica e Hy. Mas certamente a deusa dos índios Hy ficou mais lisonjeada, pois a menina era chamada apenas de Nina, cabelos de fogo.

Havia um desejo imenso dentro da menina, de conhecer as coisas ligadas a seu pai, de quem apenas ouvia as histórias contadas pelos anciãos da vila. Isso fazia sua mãe feliz e ao mesmo tempo a deixava preocupada.

Asile era uma mulher altiva e extremamente bela, o que fazia com que todos os homens não casados, e mesmo alguns casados a cortejassem. Sua beleza só perdia para seu conhecimento da natureza, se é que se colocando dessa forma não parece uma inverdade, pois como sacerdotisa dos Aesires ela tinha sido abençoada com beleza e sagacidade, igualada talvez apenas por sua filha Nina.

Nina era singular no meio de seu povo. Aos vinte e cinco anos ela estava no auge de sua beleza e forma física, sim, forma física. Pois ao contrario das mulheres da vila, que se dedicavam a seus lares ou ao culto dos Aesires, ela sempre se dedicou a aprender as artes bélicas com os maiores guerreiros do reino, e viajando até as fronteiras mais distantes onde conheceu mulheres guerreiras que cultuavam outros deuses.

A jovem Nina tinha o sorriso de sua mãe, singelo e espontâneo; sua pele amendoada contrastava com seus cabelos vermelhos, o que a transformava numa jóia lindíssima, que findava com um mergulho no oceano de seus olhos. Intrinsecamente linda e mortal.

No inverno do ano 123 do mestre Jesus, Nina chamou sua mãe para conversar. Acompanhada de seu amigo Heimdrúll, contou a mãe sobre o que tencionava fazer. Encontrar e matar Lohikaarmejään.

Ao pronunciar o nome do dragão, Asile levantou da cadeira num salto e esbravejou com a filha:
_ Loucura! Você só pode estar sobre a influência de Loki!
_ Mãe, sei que pode parecer loucura, mas Heimdrúll e eu treinamos por anos com intuito de encontrar e dar cabo dessa praga que povoa os pensamentos do nosso povo há anos. – tentou argumentar Nina.
_ Heimdrúll, como você pode apoiar uma idéia absurda dessas? – Asile perguntou séria para o rapaz que mal respirava.
_ Onde Nina for estarei ao lado dela! – disse até com certa firmeza, que fez com que Nina sorrisse.
_ Pela deusa! – Exclamou Asile indignada.
_ Mãe, jogue as runas e o que elas disserem eu farei! – disse Nina desafiando sua mãe.
_ Você sabe que pelo meu juramento eu devo obedecer aos deuses, mas se as pedras indicarem qualquer infortúnio a você, não a deixarei sair daqui nem que o próprio Odin venha me obrigar.

Asile conversou com as forças da natureza e invocou a sabedoria dos deuses, de forma a guiá-la pelos sinais que as runas lhe mostrariam.

_ Alguns comerciantes que estiveram do outro lado do mundo, dizem que por lá apareceu um homem-deus que acabará com os Aesires. – cochichou Heimdrúll ao pé do ouvido de Nina, que o repreendeu baixinho.
_ Eu sei sobre Ele Heimdrúll, e Ele não veio acabar com os Aesires, mas nos ensinar coisas que nossos deuses se esqueceram de nos ensinar. – disse Asile ainda preparando as pedras.
_ Como ela sabe essas coisas? – perguntou Heimdrúll a Nina espantado.
_ Ela simplesmente sabe! – disse olhando orgulhosa pra mãe.

Ao que as pedras foram lançadas e Asile entendeu seus sinais, os olhos da bela senhora se encheram de lágrimas e ela levantou-se para abraçar a filha.
_ Seu destino está entre as montanhas frias que são a morada de Lohikaarmejää, mas as runas não me dizem se você irá voltar. – disse Asile pesarosa.
_ Mas as runas também não dizem que não vou voltar. – disse Nina levantando o rosto de sua mãe para contemplar-lhe os olhos e Asile sorriu levemente.

_ Eu trarei a Nina de volta senhora! – exclamou Heimdrúll batendo no peito e tossindo.
_ Espero que a Nina te traga de volta Heimdrúll. – sorriu Asile abraçando os dois.

Dois dias depois da reunião com sua mãe, Nina e Heimdrúll partiram em direção as montanhas frias do extremo norte. Eles levaram cerca de um mês e alguns contratempos para chegar ao pé dos grandes montes cobertos de neve. Ao pé da montanha Gunnbjørns, Nina pegou seu berrante e entoou uma canção de desafio, acompanhada por Heimdrúll. Ao fim da canção gritou o nome do oponente que desejava desafiar: LOHIKAARMEJÄÄ – foi o som que ecoou.

Logo em seguida fez-se silêncio ao pé da grande montanha. Silêncio interrompido pelo deslizar da neve após um leve tremor. Tremor este que aumentou repentinamente e foi seguido por um vento gélido que fez Heimdrúll bater os dentes.

Os olhos de Nina ainda tentavam distinguir o que vinha em sua direção, quando a gigantesca criatura estendeu suas asas cercando-os e respirando próximo a seus rostos. Heimdrúll tremia, mais de medo do que do frio propriamente dito, enquanto Nina encarava a criatura que a cheirava dos pés a cabeça.

Levantando o enorme pescoço e ficando em posição imponente, Lohikaarmejään falou com sua voz de trovão:
_ O que quer aqui cria do mestiço?
Nina respirava calma e pausadamente, enquanto Heimdrúll se adiantava:
_ Nós só estávamos passando por aqui senhor dragão, não queríamos atormentá-lo!
Ela e o dragão olharam incisivamente para o rapaz que se encolheu.
_ Você tem uma divida para comigo criatura do gelo. Você me privou de meu pai e agora vim aqui privá-lo de sua vida! – disse Nina imperiosamente tirando sua espada de duas mãos, empunhando-a firmemente como fazem os grandes guerreiros.

O gigantesco dragão afastou-se um passo e olhou fixamente para garota que o desafiava, então lhe disse:
_ Vejo que não seguiu os passos de seu pai! Mirmhy e eu fizemos um acordo – e ao ouvir o nome do pai, Nina se espantou – eu o desafiei a me provar que havia uma pessoa em todo seu reino que era digna e quando o nome de sua mãe apareceu para ele, eu prometi que jamais voltaria a seu reino se ele me entregasse o coração de sua mãe em uma caixa de prata. Ele preferiu a própria morte a sacrificar aquela que mais amava, entregou-me assim o próprio coração, e eu surpreendido fiz como prometido e me afastei para sempre de suas terras. – explicou com intensidade Lohikaarmejään.
_ Eu conheço a história criatura e não é porque você lembra o nome do meu pai, que vai me demover do meu objetivo. – disse Nina colocando-se em posição de ataque, enquanto Lohikaarmejään sorriu.
_ Criança, eu destrocei todos os guerreiros do seu reino, o que a faz pensar que triunfará sobre mim? – perguntou sarcasticamente o dragão.
_ Porque nenhum deles era Kari'nina Ap Asile Ap Mirmhy! – e dizendo isso avançou para cima do dragão de gelo, seguida por Heimdrúll, que não sabia se atacava junto com ela ou tentava impedi-la.

Com um bater de asas Lohikaarmejään lançou os dois ao chão com um vento que gerou. Com uma das garras alçou Nina próxima ao seu rosto e disse-lhe:
_ Seu pai conseguiu meu respeito e admiração pelo que carregava no coração, você está tomada de ódio e rancor. Não vou te machucar em honra ao seu pai. – dizendo isso juntou Heimdrúll e voou com os dois para dentro de uma grande abertura na rocha.

Na caverna, Lohikaarmejään deixou seus visitantes na entrada de um grande salão e Nina chorava copiosamente, e Heimdrúll tentava acalmá-la:
_ Eu fracassei Heimdrúll, eu fracassei! – dizia ela entre soluços, quando o dragão voltou trazendo uma caixa e uma pequena sacola.
_ Kari'nina, belo nome! – sorriu o dragão – Quero que leve estes presentes! – disse mostrando o que trazia para Nina.
_ Porque faz isso monstro? Você matou meu pai, e acha que pode me comprar com isso? – disse olhando com raiva para Lohikaarmejään.
_ Nina... fiz essas jóias após a morte do seu pai. Ele me provou que eu estava errado, que ainda havia amor no mundo e que eu uma criatura de coração frio não percebia isso. Não quero que seu coração fique como o meu. Veja, este colar leva a Eternidade que é segurada pelo Amor e pela Compreensão, este anel carrega a Sabedoria sustentada pelos pilares da Eternidade, use-os quando sentir que seu coração se afasta do ideal que seu pai vivia: AMOR.

Ela segurou as jóias e pareceu refletir toda sua vida.

_ Sei o que está sentindo Nina, mas eu não era seu objetivo, eu fui um motivo para você se tornar tudo que você é hoje. E a partir de agora você e seu amigo de pouca coragem, precisam encontrar outras batalhas mais reais pra vencer.
_ Eu não tenho pouca coragem! – exclamou Heimdrúll.
_ Não?! – e a voz de trovão de Lohikaarmejään inquiriu o rapaz, tirando um sorriso de Nina.
_ Venham, vou levá-los pra casa! – juntou os dois e voou com eles até o reino que o dragão havia prometido jamais voltar.
Ao chegar à vila de Nina, o dragão pousou próximo a casa de Asile, espantando a todos. Deixou os dois ilesos no chão e quando estes olharam para criatura, suas escamas haviam ganhado um aspecto diferente, parecendo gelo.

_ O que está acontecendo com você? – perguntou o curioso Heimdrúll.
_ Eu quebrei minha promessa de jamais voltar a este reino, e como um dragão não pode quebrar suas promessas, estou me transformando em gelo e por fim, de uma forma ou de outra, o desejo de Nina se realizará. – ao terminar de dizer isso, Lohikaarmejään transformou-se em uma enorme estátua de gelo que logo se pôs a derreter.

Asile que via e ouvia tudo, correu até a filha e a abraçou efusivamente, ao que Nina chorou nos braços da mãe.

_ Mãe, eu tive que chegar ao lugar mais frio do mundo, para encontrar calor para o meu coração, e quem me mostrou isso foi uma criatura gélida, que aprendeu com a morte do meu pai e que tive que aprender com ela.
_ Amor Nina! Isso foi o que seu pai nos deixou, e ele jamais morrerá, porque nós sempre o amaremos, tanto quanto ele nos amou!

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