quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Pó de Dente-de-Leão

Quem já passou por essa vida e não viveu 
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu 
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu 
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não.
O poetinha, Vinícius de Moraes.
O Poeta
Quando você era criança, alguma vez você soprou uma Flor Dente-de-Leão? Era tão formidável quanto fazer bolhinhas de sabão!

Às vezes sinto falta desse tempo, mas não por nostalgia, apenas porque era mais fácil eu me encantar com as coisas. Porém hoje, tenho criado algumas barreiras, ou melhor, muros de proteção para me cercar das coisas nocivas que o mundo traz até mim, com o inconveniente de que estes 'muros' bloqueiam algumas coisas boas também.

Depois que meu amigo Talmur se mudou para Colônia, tenho me deparado com um pequeno problema de cognição, pois tinha me acostumado com as ironias do meu velho mestre, me forçando a olhar as coisas por diferentes ângulos. E acabei caindo na tentação de um comportamento pouco salutar, a procrastinação.

No livro de Jane Burka e Lenora Yuen sobre o tema, elas abrem o trabalho com uma definição interessante, apresentada por um de seus alunos: "A procrastinação é como uma Flor Dente-de-Leão, que em certas situações solta as pétalas facilmente, mas em outras possuí uma raiz firme de difícil remoção".
A Procrastinação
Minha procrastinação é criativa; ao tentar elevar o nível das publicações que trago ao Blog, criei um problema psicológico para mim, pois ao me sentar para escrever, sempre me questiono se a publicação que tenho para realizar é boa o suficiente para as pessoas dedicarem seu tempo a sua leitura. Então este nível de exigência que tenho me colocado tem deixado o Blog com escassas publicações; coisa esta que deve parar de acontecer, devido ao resgate de identidade que me propus realizar.

O sucesso é igual ao conhecimento multiplicado pela perseverança ao quadrado, diria Albert Einstein, mas nada grandioso surge por obrigação e sim com paixão, completaria Georg Hegel; sendo assim, o Mirtu's Blog retoma o rumo de suas paixões; a literatura, a filosofia, o cinema, as artes, as histórias dos povos do mundo e, sobretudo o amor; pois um poeta de espírito livre, mesmo que dramático, sempre ama amar.

Se por algum motivo você posterga algo em sua vida, seja por preocupação com o fracasso, preocupação com o sucesso, preocupação com as batalhas do dia-a-dia, preocupação com uma perda, ou com tantas outras possibilidades, permita-se; permita-se a simplicidade, permita-se a espontaneidade, permita-se apaixonar-se pelo que você faz e por sua identidade, e sua paixão encantará os que olharem para você, e tudo que você fizer será grandioso e refletirá sucesso. É o que desejo para mim e para você, que dedicou o tempo de um sopro em uma Flor Dente-de-Leão a esta publicação.

Peço ainda um pouco mais de seu tempo, para apreciar um poema que meu amigo Nótlim Jucks compôs para uma amiga especial, que apesar de feito com exclusividade, reflete a maior paixão de um poeta. Para os amigos com os quais estou  classificado no mesmo gênero, algo sobre o gênero que mais apreciamos. "Senão é como amar uma mulher só linda! A mulher tem que ter qualquer coisa além da beleza!"*.

Intensidade Feminina
Poesia de Nótlim Jucks

Tudo parece estar ao seu dispor;
seu corpo, sua mente, sua alma.
E há essa conexão com a liberdade
que lhe atribuí um sorriso de tranquilidade.

Esse poder e coragem que a põe em movimento,
espalham tanta energia de sua personalidade
que atraí tudo que é bom e grandioso,
como se já estivessem conectados com sua singularidade.

É como uma música audível apenas ao coração,
que toca-o e o preenche com tanta plenitude
que tudo mais parece sem sentido
e o que precisa ser entendido se torna subjetivo.

E é tão difícil sentir tanto,
conhecer tanto de si mesmo;
ainda assim, você faz tudo com graciosidade,
como se seu conhecimento surgisse com espontaneidade.

Eu imagino o movimento de sua dança,
e se fosse comparar, o mundo pareceria sem graça.
Há tanta energia em suas atitudes,
que deve ser contagioso ficar ao seu lado.

Mas que bom seria uma epidemia de alegria,
um surto de coisas simples e divertidas
que moldassem as emoções do mundo
e transformassem desejos em realidade.

Falta ao mundo um pouco de curiosidade,
essa mesma curiosidade que lhe movimenta
e a faz renovar a capacidade de se aperfeiçoar,
despojando-se e reconstruindo-se como uma Fênix.

Algumas pessoas acreditam em apenas um caminho,
mas você sabe que na verdade
muitas vezes é preciso um passo de lado
para entender o que está errado.

Você impressiona com simplicidade,
assim como as bailarinas de Degas,
e com um poder de esperar sem precisar parar,
você tem o controle e sabe onde quer chegar.

Você lembra as antigas e geniosas deusas,
que desejavam sempre ser amadas,
sem perder seu direito a liberdade
e toda expressão de sua individualidade.

Mulheres preciosas como você;
mulheres graciosas como você.
Mulheres que são a graça do mundo,
plenas em toda sua complexidade.

* Samba da Bênção [Vinicius de Moraes]

domingo, 22 de janeiro de 2012

Simplicidade

Simplicidade é o caminho para se chegar a humildade, e com isso ser uma pessoa menos arrogante e prepotente, combatendo e se livrando da inveja, do orgulho e ciúmes.
Prudêncio (348 - c. 410)
A mulher do Vento
Depois de quase um mês de férias o Mirtu's Blog volta as atividades, na busca pela manutenção de sua identidade. A publicação de hoje é concisa mas não superficial. O post é aberto com uma definição de Prudêncio, presente em seu poema Psychomachia, ou a "Batalha da Alma", em que são apresentadas as lutas entre as virtudes e os vícios; uma representação alegórica das nossas batalhas psicológicas diárias.

O poema apresentado a seguir é uma representação emocional em que Nótlim Jucks tenta tornar uma lembrança em uma presença, ou como diria o formidável Gabriel Garcia Márquez, em seu 'Viver para Contá-la': A vida não é a que cada um viveu, mas a que recorda e como a recorda para contá-la.

Tão evidente
poesia de Nótlim Jucks

Você certamente não se lembra,
mas eu sorri cada dia
que estive ao seu lado
e pelos dias que não estarei.

Eu pediria para você
me deixar entrar,
mas eu não sei quanto tempo
sou capaz de te amar.

Deus não me deu muito,
mas me deu tudo;
e ter você foi um mundo,
uma vida, a eternidade.

Eu quebraria todas as regras
para libertar minha alma
e poder te dizer
que jamais vou esquecer.

Eu ainda sinto a areia
e o vento vindo dizer:
"Sim, eu amo você"
e não sei explicar.

O mundo até podia
voltar atrás e acabar,
mas não ia importar;
eu aprendi a te amar.

Você derrubou os escudos
que ergui em meu coração
e transformou minha alma
em algo melhor que então.

Você certamente não viu,
mas eu chorei quando
você desceu as escadas
e para sempre partiu.

Ainda sinto aquela sensação
que não sei, ou não quero explicar;
que vai e vem no meu coração
assim como as ondas do mar.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Um Conto de Natal para o Ano Novo

O melhor do Brasil é o brasileiro.
frase extraída da obra do folclorista 
Luís da Câmara Cascudo 
(1898-1986)
Natal - RN
2011, posso dizer que foi um ano muito bom. Dei-me de presente duas viagens maravilhosas, uma para Florianópolis-SC e outra para Natal-RN; mas acho que o que tornou essas viagens tão especiais, foi mais do que simplesmente suas paragens estonteantes, foram às companhias que pude desfrutar; no post "Meu Carnaval com Doug Beleza, Flor de Sol e O Quarteto Fantástico" pude descrever minha estada na "Ilha da magia" e hoje tenho o prazer de contar sobre minha andança na terra da "Noiva do Sol".

Na quarta-feira 07 de Dezembro meu coração palpitou mais acelerado de ansiedade; embarquei no último vôo de São Paulo para Natal. E era uma ansiedade dobrada, pois eu estava ansioso para encontrar a Morena mais maravilhosa do Rio Grande do Norte, que muito gentilmente fez questão de me receber no aeroporto.
Morena
Foi um vôo tranqüilo, sem sobressaltos ou atrasos. Eu estava munido de meu netbook – que por ironia estava com áudio pifado – e um livro do Wayne Dyer – e aqui, às vezes me pergunto por que leio estes livros, mas foi uma leitura agradável.

Chegando a Natal, aquela ansiedade que acelerava meu coração, já amolecia meus sentidos; o que não prejudicou minha percepção ao avistar a bela Morena potiguar que vinha em minha direção. E devo confessar que foi uma das mais agradáveis recepções de viagem que já tive. O que chega ser exponencial o sentimento, devido à hora de meu desembarque: 02hs00 da manhã.

Na quinta-feira 08 de Dezembro, pela manhã, fui agraciado mais uma vez com a companhia maravilhosa da Morena e assim se sucederia pelos próximos dias; razão pela qual minha viagem de 'mini-férias' foi uma das melhores da minha vida.

Com uma cordialidade indescritível, a Morena planejou me apresentar à cidade e todas as suas maravilhas. Logo que tomamos café da manhã, ela me levou para conhecer a "Fortaleza dos Reis Magos" – fundada em 1599 e marco inicial da cidade de Natal.
Fortaleza dos Reis Magos, por Frans Post
O caminho de onde eu estava hospedado até a fortaleza, foi por si só um passeio turístico. A Via Costeira é uma avenida de 10Km de extensão, com uma reserva ambiental de uma lado – o Parque das Dunas – e do outro, o fantástico oceano Atlântico que se apresenta em todo seu esplendor.
Fortaleza dos Reis Magos, dias e hoje
A "Fortaleza dos Reis Magos" possuí o formato de uma estrela e foi batizada com este nome em função da data do inicio de sua construção, 6 de janeiro de 1598, dia de Reis. Sem dúvida, uma viagem no tempo e um deslumbre aos olhos, pois a vista da fortaleza é sensacional.

Na volta da fortaleza, pelo caminho de cerca de 800 metros, é possível ver uma maravilha da engenharia civil – e aqui cito em homenagem a engenheira civil mais bonita do Rio Grande do Norte – a "Ponte da Redinha". Ela liga os bairros da Zona Norte de Natal e os municípios do litoral norte do estado aos bairros da Zona Leste de Natal e do litoral sul, além de outras regiões da cidade passando pelo Rio Potengi.
Ponte Newton Navarro - "Ponte da Redinha"
Já por volta do horário do almoço a Morena me levou para comer caranguejo – crustáceo que muitas vezes chamei de camarão e o qual jamais havia saboreado. Mais uma experiência nova e gratificante – apesar da dificuldade encontrada pelo paulista do interior, em 'descascar' o crustáceo – agora me dá até água na boca de lembrar. Há um lapso mental aqui, pois não me recordo o nome da praia, mas me recordo com vivacidade da tarde maravilhosa que passei ao lado da minha linda anfitriã.

À noite fomos a um barzinho pé-na-areia ao lado do "Morro do Careca" – uma enorme duna na praia, coberta por vegetação e com uma grande faixa de areia descoberta ao centro, daí seu nome. A noite estava fabulosa e alegre, dava para se avistar os enfeiteis natalinos que luziam pela orla e as luzes dos grandes resorts. Mas o que me encheu de encanto, foi mesmo o barulho do mar e minha companhia.

Meu 2º dia de 'férias' em Natal foi dedicado a conhecer as praias do norte e as dunas. Mais uma vez a Morena cuidou de tudo, reservou o passeio e me presenteou com sua alegria.

Passeio de bug
Se vocês forem para Natal, podem marcar um passeio de bug com o Elias, bugueiro gente boa e conhecedor dos lugares. Ele leva vocês para Genipabu, Pitangui, Jacumã e todas as maravilhosas dunas. Cruzar de 'balsa' o Rio Ceará-Mirim, certamente propiciará dois momentos singulares (devido as marés).

As 'balsas' na verdade são jangadas empurradas por meio de longos cabos de madeira, que servem de remos. O passeio de bug pelas dunas é muito bacana e muito mais intenso que qualquer montanha-russa, fora as belas e inesquecíveis vistas dos lugares.
Genipabu
Lagoa de Pitangui
Vale a parada na lagoa de Pitangui, que é um espaço de água doce, com estrutura de dar inveja às maiores praias urbanas do país; existem vários quiosques em que se pode saborear e bebericar.

Em Jacumã não deixe de experimentar o esquibunda e o aerobunda – modalidades esportivas exclusivas da região. As descidas duna abaixo são uma ótima aventura e excelente maneira de se refrescar.

À noite, já de volta a pousada e com banho tomado, nada melhor do que conhecer a noite de Natal. Há em Ponta Negra uma pizzaria muito bacana, Cipó Brasil, que possuí decoração peculiar e ótima comida.

Sabadão, dia de conhecer Pipa, a praia mais famosa do Rio Grande do Norte. A partir de Natal, basta seguir pela BR-101 em direção ao sul e cerca de uma hora depois se chega à charmosa vila.

O visual da estrada que vai beirando as falésias, logo na chegada, é estonteante. De carro, nada mais justo que uma parada para observar com calma a paisagem. A bela Morena potiguar com o mar ao fundo, pareceu-me reluzir ao sol e fundir-se a paisagem, nada mais espetacular do que as belezas do Brasil, os lugares e a gente bonita que os habita.
Falésia
Passamos o dia na Praia do Amor, point dos descolados e amantes de surf. Se vocês forem para Pipa, passe no quiosque do Elias, corintiano sangue-bom que fugiu do interior paulista e foi viver no paraíso. E eu, que fui com a camisa do meu amado 'Parmera' e ele queria me cobrar dobrado. Mas nada que a harmonia do lugar não dê jeito. A vontade de ficar por lá, arrebata o coração.
Pipa
O domingo foi um dia mais tranqüilo, aproximava-se o momento de 'voltar à realidade'. Eu e a divina Morena almoçamos no restaurante Tábua de Carne, na Via Costeira – uma deliciosa carne de sol, apreciando uma vista das mais fabulosas. Aliás, em Natal, para qualquer lugar que se vá, há uma vista fabulosa.

À tarde fomos ao Shopping do Artesanato Potiguar, para que eu pudesse comprar uns souvenirs; como uma garrafa de cabeça de coco – para colocar cachaça – com certa semelhança ao ex-presidente Lula; que decidi comprar para um amigo que tem alguma implicância com o velho molusco – e vários pacotes de castanha de caju, encomendados pelos amigos.
Cabeça de Cachaça
Foram quatro dias tão fantásticos na companhia da Morena potiguar que até no cinema naquele domingo nós fomos. Saímos da sessão e fomos andar no calçadão da praia de Ponta Negra; tomamos açaí na loja do maluco beleza Chiquinho e apreciamos a Lua nascer; de uma forma das mais formidáveis que já presenciei. Então nos sentamos e em silencio apenas observamos aquele monumento da natureza que se dirigia para o alto do céu. Primeiro como uma bola flamejante vermelha, que foi clareando e ganhando brilho quanto mais alto se dispunha subir.

Quatro dias de sonho. É como posso descrever; quatro dias de um sonho bom. Deus me permitiu conhecer uma pessoa maravilhosa e um lugar maravilhoso, ao mesmo tempo. Meu 2011 se encerra repleto de benção, abundancia e felicidade, só desejo que 2012 traga mais disso tudo e que a vida seja plena de amor e prosperidade em todos os setores, para todos nós.
Foi assim
Eu não tenho palavras para dizer o quanto esta viagem para Natal foi significativa para mim e me faltam ainda mais palavras para expressar meu carinho, admiração e paixão pela Morena maravilhosa que reside em Natal e no meu coração. E quero deixar para todos que por aqui passarem, uma mensagem de amor; se vocês tiverem a oportunidade de amar alguém, façam, de todo corpo e alma; mesmo que a vida não lhe reserve mais do que poucos momentos para amar esta pessoa. Ame, pois será a sua vida que se tornará mais completa.

Feliz 2012.

Como é tradicional do Mirtu's Blog, sempre há um poema, ou um conto, que acompanha a publicação. Neste ultimo post do ano, o blog trás um conto tradicional do folclore brasileiro, escrito por Luís da Câmara Cascudo, que o conheceu de ouvir seu pai contar.
Homenagem a Luís da Câmara Cascudo
Luís da Câmara Cascudo foi um grande historiador, antropólogo, advogado e jornalista brasileiro, nascido em Natal-RN, onde passou toda a sua vida a dedicar-se ao estudo da cultura brasileira – é considerado o maior folclorista do país – deixou uma extensa obra, inclusive o Dicionário do Folclore Brasileiro (1952). Entre seus muitos títulos destacam-se: "Alma patrícia" (1921), obra de estréia e "Contos tradicionais do Brasil" (1946).

Apreciem: 
Felicidade e Sorte

Era um dia um sapateiro muito pobre e carregado de filhos e, apesar de trabalhar como um condenado, vivia na miséria. De uma feita estava ele batendo sola quando passaram dois amigos, muito ricos, que vinham discutindo sobre a fortuna. Um dizia que a fortuna era dada pela felicidade e o outro pelos auxílios. Viram o sapateiro e tiveram piedade dele ao mesmo tempo que resolveram experimentar a opinião de cada um. O que sustentava a fortuna pelos auxílios foi ao sapateiro e lhe deu cinqüenta moedas de ouro. O sapateiro quase morreu de alegria. Acabou depressa o serviço e voltou para sua choupana.

Aí chegando, não querendo dizer a sua mulher o que sucedera, enterrou o dinheiro num vaso que tinha um pé de manjericão, deixando para depois estudar como empregar aquele ouro. No outro dia acordou mais tarde e foi ver o pé de manjericão. Não o encontrou. Perguntou já assustado à mulher, onde pusera o vaso e soube que ela vendera a um homem que passava, apurado com que almoçar. O sapateiro botou as mãos na cabeça e contou sua desgraça, chorando os dois a falta de sorte que os perseguia.

Tempos depois estava o sapateiro na sua ocupação quando os dois amigos ricos cruzaram a rua e vieram saber notícias das cinqüenta moedas de ouro. O sapateiro narrou sua desventura.

- É minha vez de provar o que penso. Tome este pedaço de chumbo que encontrei no chão. Pode ser que seja mais feliz com o chumbo do que foi com o ouro.

Foram embora e o sapateiro trouxe o pedaço de chumbo para casa, cada vez mais triste. Lá para as tantas da noite acordou com a voz da mulher de um pescador seu vizinho. Abriu a porta e perguntou o que desejava. A mulher vinha pedir um pedaço de chumbo para completar a chumbada da tarrafa do marido que ia pescar. O sapateiro entregou o que recebera e a mulher do pescador agradeceu muito, retirando-se.

Ao anoitecer, o sapateiro estava em casa, quando veio a mulher do pescador com um grande peixe na mão. Era um presente pelo chumbo. O sapateiro agradeceu e mandou sua mulher preparar o peixe para a ceia.

Quando a mulher abriu a barriga do peixe encontrou um enorme diamante. Como não conhecia diamantes, julgou-o um pedaço de vidro. Depois da ceia, como a mulher levasse a lamparina de uma sala para a cozinha, o tal vidro ficou iluminando todo o aposento, divertindo os meninos e assombrando o sapateiro.

No dia seguinte a mulher do sapateiro, não se contendo, contou a história do vidro luminoso e essa notícia foi-se espalhando pelo bairro. Muita gente veio ver e admirar. Um homem, depois de olhar muito o tal vidro, ofereceu cem moedas de ouro por ele. O sapateiro, espantado por uma quantia dessas, achou que o vidro devia valer muitíssimo mais. Fez-se de rogado e o homem foi oferecendo mais e mais dinheiro, até que ficou em mil moedas de ouro. O sapateiro não quis e foi mostrar a pedra ao rei que ficou estatelado quando viu o tamanho do diamante. Comprou-o por uma riqueza. O sapateiro mandou construir casa confortável para morar, colocou os filhos nas melhores escolas, e começou a viver como uma pessoa rica.

Estava uma tarde na janela de sua casa quando os dois amigos passaram. O antigo sapateiro chamou-os, abraçando-os, agradecendo o que fizeram por ele e contando tudo. O amigo que pensava nos auxílios reconheceu que estava errado e disse:

- Tens razão, amigo. Felicidade é fortuna. Mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga...
Francisco Cascudo, 
Natal, Rio G. do Norte.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Palavras sem tempo

"Na natureza nada se cria, 
nada se perde, 
tudo se transforma"
Antoine Lavoisier

O velho índio caminhava pela cidade grande quando viu um jovem cuspir no chão, então olhando para seu amigo que o acompanhava, disse: "Agora entendo porque vocês cobrem a terra com a coisa preta e fecham as paragens com pedras cinza." – e o amigo curioso em saber o que o velho índio intuíra, perguntou: "Por quê?".

O ancião então olhou para o amigo e fez sinal para que se sentassem no banco da praça. Olhando ao redor e tomando uma respiração profunda o velho índio disse: "O homem branco conhece tanto, sobre tantas coisas, mas não percebe as pequenas coisas que compõe todas as grandes coisas. Vocês com sua ciência que têm um nome para tudo; são capazes de voar como os pássaros e navegar como as baleias, mas não percebem que todos somos parte da mesma coisa.

"Desde pequeno na aldeia, aprendemos a respeitar a terra, pois nós somos a terra, nossos ancestrais são a terra e nossos filhos serão a terra. Tudo que tiramos da terra sabemos que tiramos de nós, tudo que impomos a terra sabemos que estamos impondo a nós.

"Quando vocês enterram seus parentes, amigos, ou conhecidos, estes deixam de existir como vocês conheciam e passam a fazer parte da terra, se transformam no solo que pisamos, na água que bebemos, no ar que respiramos; e é dessa forma que nossos antepassados estão conosco. Mas vocês se sentem melhor acreditando que o corpo se desfaz e os espíritos vão para outro lugar, longe daqui; mas não há outro lugar, tudo é aqui, porque a vida não deixa de ser, ela se transforma e se espalha, uma estrela pode ser seu avô, uma arvore pode ser sua irmã; não literalmente como vocês gostam que as coisas sejam, mas uma parte de sua irmã – hoje – é a seiva que corre no corpo da árvore, é a gota que pinga na nascente do rio. Os espíritos estão espalhados pelos lugares do Criador, são invisíveis aos olhos porque seus corpos agora compõe o mundo e se ainda houver uma historia a ser escrita pelo espírito, ele receberá um novo corpo, que será formado de novo da terra, das frutas que sua futura mãe se alimentar, do ar que ela respirar, da água que ela vier a beber, e assim, o que era voltará a ser."

O amigo com um sorriso estupefato e incrédulo olhou o velho índio e disse: "Nossa, tudo isso porque o menino cuspiu na rua?" – o velho índio olhou para o amigo e disse: "Por isso vocês cobrem a terra, para não cuspir nos seus antepassados. Melhor cuspir na coisa preta do que em algo que pode conter a essência do seu avô." – e ao dizer isso se levantou e se espreguiçou, no que foi seguido pelo amigo que estranhamente olhava a árvore agitada pelo vento.


Olá amigos, o Mirtu's Blog têm estado meio parado devido à vida profissional de seu redator; que não anda dando muito espaço para sua vida passional, da qual o Blog faz parte. E isso me remete a um pensamento perturbador, de que, quem trabalha demais não tem tempo de fazer o que gosta e se não faz o que gosta, não vive. "Escolha um trabalho que você ame e então você não terá que trabalhar um único dia de sua vida." (Confúcio - 551 a.C. - 479 a.C)

Mas vamos lá, sem lamúrias. O texto que abre essa publicação é um dialogo entre o poeta Nótlim Jucks e o Seu Ubiraci; e se deu mais ou menos como descrito, enquanto estavam no Largo do Pará, em Campinas.

Seu Ubiraci estava esperando o ônibus que o levaria para o aeroporto e Jucks tinha descido de seu apartamento para ir comer um pastel na feira Hippie, que fica em outra praça, em Campinas. Mas como naquele dia o poeta estava com preguiça e não se sabe por que, havia uma feira no Largo do Pará, culminou então que o poeta acabou conhecendo Seu Ubiraci.

Isso é uma coisa que às vezes me deixa intrigado; essa facilidade com que as pessoas têm de contar as coisas para o poeta. Ainda bem!

Há alguns meses eu estava navegando pela internet quando me deparei com o documentário do Dr. Amit Goswami, 'The Quantum Activist'. O Dr. Amit Goswami foi um dos cientistas que participou do filme 'Quem Somos Nós?', então fiquei curioso com o nome do filme e estendi a pesquisa por algum tempo, para verificar se conseguia encontrar uma versão em português; na época não encontrei nada. Contudo, para minha surpresa não demorou muito o documentário foi laçado no Brasil – só que por algum motivo ainda obscuro para mim, perdi o interesse em assisti-lo.

Outro dia, porém, fui a Livraria Cultura para comprar um livro e me deparei novamente com o filme 'O Ativista Quântico' e mais uma vez minha curiosidade ficou aguçada; segurei o filme por alguns instantes, li e li novamente a sinopse; mas não o comprei.

Hoje, estava fuçando nas minhas coisas, peguei um livro para ler e quando tirei o marcador de leitura, era um marcador com publicidade de livro – 'O Ativista Quântico'. Decidi ir comprar o filme. Pode estar parecendo confuso à maneira como estou relatando, mas há um livro e um DVD do livro – que foi o que eu preferi comprar e que indico para vocês; é um documentário profundo, espiritual e cientifico – vale à pena.


Deixo também para vocês um poema de Nótlim Jucks; um grande abraço e até mais; até a próxima publicação, que espero seja em breve.
--
Palavras sem tempo
poesia de Nótlim Jucks

Apenas feche seus olhos
e tente captar este momento.
São palavras que não sei bem;
que se movem no ar sem tempo.

Estas coisas que acredito,
por vezes se perdem;
o amor, a verdade e a honra.
Mas sempre as reencontro.

Eu gostaria de ser quem
você acha que sou,
mas o tempo passou rápido demais
quando fechei meus olhos.

Ainda assim,
quando você me olhar nos olhos,
com certeza direi que sim,
por mim e por nós.

Quando você fechar seus olhos
não tente entender estes mistérios.
A verdade é algo
que eu quero poder te dar.

Mas nem sempre é fácil acreditar.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O Gavião e a Harpia


Vocês não estão limitados dentro de seus corpos,
nem presos a casas e campos.
Aquilo que vocês são, vive acima das montanhas
e vaga junto do vento.
Não é algo que se arrasta até o sol para se aquecer,
ou cava buracos na escuridão para se proteger,
mas é um coisa livre, um espírito que cobre a terra
e se move no éter.
Kahlil Gibran - O Profeta
Hoje (27/10/2011) o dia foi no mínimo diferente. Acordei as 06hs15, tomei uma ducha despertadora – uma das poucas coisas boas do hotel em que estava hospedado – e fiz meu desjejum com um copo de suco de laranja e pão com manteiga. 

O dia todo transcorreu como uma tartaruga correndo uma maratona; se não fossem alguns coelhos altamente ativos a agitar o ambiente, talvez eu tivesse cochilado após o almoço. Aliás, o almoço foi bem bacana: picanha na manteiga com ervas, mix de arroz e purê com queijo cheddar; para encerrar, um potinho de iogurte com morangos, abacaxi e calda de chocolate – adoro essa combinação de azedinho doce.

Ao que o relógio marcou 17hs00 eu já estava dentro do taxi rumando para pegar o traslado para Campinas que saí do aeroporto de Congonhas. Algumas pessoas acham estranho ir para o aeroporto pegar ônibus, mas lá é mais próximo que o terminal rodoviário, fora o fato de as pessoas acharem que você está desembarcando de algum lugar interessante e puxarem conversa com você sobre a viagem – "sempre acontece" – é a frase que eu gostaria de escrever, mas as pessoas estão sempre tão ocupadas e conectadas a outras realidades virtuais, que não acontece sempre.

Frustrante foi chegar ao ponto do traslado e descobrir que ele acabara de sair e que o próximo, só sairia três horas depois. O aeroporto é um lugar bacana, muita gente diferente, outro tanto de gente bonita e esquisita; mas passar três horas me entretendo com as características das pessoas, não me pareceu agradável, então, decidi pegar um taxi para o terminal rodoviário.

Do aeroporto de Congonhas ao terminal rodoviário do Tietê, pode ser considerada uma viagem cheia de surpresas; basta observar a mega cidade que se fecha em arranha-céus ao seu redor e os motoboys alucinados que passam ao seu lado. 
Eis que para meu espanto, a surpresa da tarde estava dirigindo o taxi que me transportava. Não, não era uma loira maravilhosa com decote chamativo quem estava dirigindo o taxi, isso não seria uma surpresa, seria estar sonhando acordado.

Era um senhor de 71 anos, cuja primeira coisa que fez foi me criticar por não ter negociado a corrida com ele. E após minhas desculpas desajeitadas, começamos uma conversa tradicional entre taxista e passageiro. Foi quando ele me contou sobre as exigências dos passageiros atualmente, por carros com GPS. Ele me disse:

"Trabalho na praça como taxista, desde 1963, conheço cada formação e deformação dos bairros dessa cidade, aí as pessoas preferem confiar num aparelho que nem sempre está atualizado. Eu estou atualizado, todo dia sei a caca que o prefeito está fazendo nas ruas." – e me contou quando um grupo de executivos o desafiou contra o GPS. A marginal Tietê estava em obras – ainda está e acho que sempre estará, é algo surreal – então algumas saídas haviam sido bloqueadas e outras tinham sido criadas, obviamente o nosso amigo GPS não tinha as atualizações das obras e o querido taxista se saiu melhor que o aparelho, ganhando uns bons trocados dos executivos.

Mas essa não foi à história bacana, que me espantou e valeu a surpresa do dia. O seu Arnaldo tinha acabado de completar 71 anos e ele me disse, que sua atual esposa fizera aniversário no mesmo dia. Ele nasceu em 21 de Outubro de 1940 e a esposa em 21 de Outubro de 1977. Você fez as contas? Isso mesmo, a esposa do seu Arnaldo tem 34 anos, recém completados.

Isso me intrigou e continuamos a conversa. Naquele instante seu Arnaldo sacou duas fotos dele com sua amada Valquíria, e sorrindo disse: "Outro dia estávamos voltando do Nordeste" – deu uma olhada no retrovisor para verificar se eu estava prestando atenção e continuou - "duas garotas nos olhavam e cochichavam 'será que é a Preta Gil?' e a outra disse 'acho que não, o pai da Preta é o Gilberto Gil e não tem nada haver com o tiozinho ali', aí ela percebeu e me abraçou e deu um beijão, passando a mão com a aliança no meu pescoço, para as meninas verem que eu não era pai dela. Aí vem aqueles outros comentários 'esse véio deve ser cheio do dinheiro', e mal sabem que sou taxista." – e caiu na gargalhada.

A Val, como ele a chamou, era uma morena alta e que realmente lembrava as feições da Preta Gil, o que me instigou a perguntar como ele a conhecera. Nisso seu Arnaldo se encheu de orgulho: "A Val é louca por mim, nem sei o que é. Minhas filhas ficam doidas de eu estar com ela; uma delas não aceita de jeito nenhum – mas acho que ela me culpa por eu ter me separado da mãe delas. Mas a outra já falou com ela. Ela disse: 'Olha, não sei o que aquela moça viu no papai, mas ela é perdidamente apaixonada por ele!' – mas minha filha mais nova não quer nem saber, e minha atual esposa é mais nova do que ela."

"Eu conheci a Val por acaso, foi num aniversário que eu não tinha sido convidado. Uma amiga me levou como companhia. Quando chegamos à festa, estava tudo muito bonito, arrumado e havia uma mesa em que estavam uns amigos dessa minha amiga, assim fomos cumprimentá-los. Cumprimentei as pessoas, o pai da Val e quando ela se levantou para me cumprimentar, me deu um abraço tão apertado que eu quase sufoquei – mas é daqueles abraços gostosos, sabe? Aqueles que a gente não quer se desvencilhar – e acho que foi nesse momento que tudo começou. Eu me coloquei no meu lugar – afinal sou um senhor de 71 anos, na época eu tinha 69 anos – mas conversamos a noite toda, eu encantado com ela e, por mais incrível que pareça, ela encantada comigo." – ele olhou de novo no retrovisor do carro pra ver se eu não tinha dormido com o trânsito parado e eu pude ver seus olhos brilhando e o sorriso que não lhe saía do rosto – "Ela se encantou comigo, acha? Um motorista de taxi, com 71 anos, sem posses!" – ele disse.

"A Val é médica. Uma guerreira, tem duas especializações. Quando minhas filhas se mostraram contra nosso relacionamento, ela se posicionou e disse: 'Seu pai não é uma aventura pra mim, eu o amo e não quero nada que é de vocês, podem ficar tranqüilas que vou cuidar dele até o fim; até o fim da minha vida' – foi firme com as minhas filhas." – nisso seu Arnaldo deu uma conferida novamente no retrovisor, em mim, e continuou – "você acredita que ela passou o apartamento dela para o meu nome; isso eu – como homem – que tinha que fazer, mas não; ela disse: 'Naldo, se eu morrer o apartamento é seu, você não precisa pedir nada para suas filhas, nem justificar nada para minha família, o apartamento é seu' – eu disse pra ela que era absurdo, que pela lógica, era pra eu ir primeiro; mas ela é durona e não aceita que ninguém, nem mesmo eu, diga que estou velho."

"No final do mês a gente vai viajar de novo. A gente não para. E acho que nunca vivi tanto na minha vida. Aposentei-me como motorista de taxi; nunca tive muita coisa; mas consegui formar minhas filhas, ter uma casa que é da mãe delas agora. Eu preferi sair sem nada da separação e fui morar num hotelzinho boca-de-porco. Quem poderia imaginar que a vida ainda me reservava algo tão maravilhosa quanto a Val. Às vezes eu me belisco, mas ela continua comigo, cuida de mim e eu cuido dela. A idade nem parece que existe!" – e ao dizer isso, estacionou o carro na área de embarque e desembarque do terminal do Tietê.

Eu pedi um recibo, agradeci a maravilhosa conversa, e ele sorrindo me disse: "Sou mineiro! Começa a prosa, vai embora!" – e foi embora, me deixando cheio de pensamentos e mais algum tempo de viagem.

"A idade nem parece que existe!" – e não existe mesmo seu Arnaldo; idade é uma quantificação que homem criou para tentar saber se ele está perto do fim, ou não; e ele perde muito tempo com isso. Como diria a filosofia popular: 'O jogo só acaba quando termina'.

Para encerrar a publicação, um poema antigo que foi revisado, mas não alterado, pois em suma ele já dizia o que era para ser dito e acredito que combina com a história de hoje:

Sementes de um sonho
poesia de Nótlim Jucks

Em algum lugar
alguém permeia meus sonhos
com desejos que muitas vezes 
não serei capaz de realizar.
O homem vive cometendo erros
e dentre os maiores 
é não saber valorizar
tudo que consegue conquistar.
Houve um tempo em que os sonhos
eram apenas um conjunto de idéias,
imagens que atravessavam 
meu espírito durante o sono.
Por muitas vezes
estes olhos se encheram de lágrimas
mas o fato é que não houve 
vontade suficiente para transformar
todo imaginário passado em realidade presente.
É como se o curso da existência,
muitas vezes sofresse a influencia 
de um poder misterioso,
que fixava de maneira irrevogável
o curso dos acontecimentos da vida.
O amor pelo qual uma pessoa 
une o seu destino ao de outra pessoa
não parece ter qualquer ligação a este poder,
e sim a vontade destas duas almas de serem uma.
A solidão sempre acompanhou 
os caminhos por onde passei
e por este motivo muitas vezes chorei.
Hoje creio ter encontrado 
a fonte dos meus desejos,
tenho me banhado nela muitas vezes,
mas mesmo assim ainda cometo erros.
O tempo mostrou que 
aquele conjunto de idéias
que atravessavam meu espírito,
eram como semeadores 
que passam pelos campos.
Semearam algo bom dentro de mim,
e sinto que, o que nasceu não terá fim.