Não se trata de ausência de ação.
Trata-se de agir a partir de um lugar interior tranquilo.
Ram Dass
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Agir a partir do interior |
Hoje o Mirtu's Blog traz uma publicação sobre um personagem no mínimo interessante,
Ram Dass.
Tom Butler-Bowdon o lista entre 50 mestres fascinantes de mudança
interior e espiritualidade ao analisar a viagem de autodescoberta de Dass no livro,
Be Here Now ("Esteja aqui,
agora" - http://beherenow.dc7.us/index.htm). E o documentário biográfico: 'Ram Dass, Graça Feroz' (https://archive.org/details/Graca.Feroz) – faz um
retrato humano de um homem espiritualizado, que após sofrer um AVC tenta trilhar uma
nova viagem, convidando todos a juntar-se a ele.
"Esteja aqui, agora" é uma obra clássica da espiritualidade hippie, mas pode estar na posição de uma das obras excepcionais de transformação espiritual escritas em qualquer era. A jornada de Dass de acadêmico de Harvard – de seu abandono de uma vida antiga, e em parte sem sentido – a guru, é contada belamente.
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Ram Dass |
O
início da viagem
O
jovem professor de psicologia, Dr. Richard Alpert, estava bem financeiramente.
Em 1961, ele tinha entrevistas em quatro departamentos da Universidade de Harvard
e contratos de pesquisa em Stanford e Yale. Com o status e o dinheiro que vieram com esses cargos, tinha pouco do que
reclamar.
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Dr. Richard Alpert |
Mas
ele sentia que faltava alguma coisa em seu mundo, ainda que não pudesse dizer
exatamente o que era. As teorias de realização, motivação e ansiedade que ele
ensinava aos estudantes pareciam ser nada mais que a superfície dos mistérios
da vida; eles e seus contemporâneos tinham estudado tudo que havia para
conhecer a respeito da mente humana, mas tinham pouco domínio da condição
humana. Suas vidas careciam de integridade e realização, e Alpert mesmo tinha
poucos resultados a mostrar dos cinco anos que ele passou em psicanalise. Suas
anotações de aula, ele dizia, eram "as ideias de outros homens, apresentadas
com sutileza", e sua pesquisa não estava realmente avançando por novas
fronteiras. Todos ao redor dele eram muito espertos, mas havia pouca sabedoria:
"eu podia sentar em uma banca de doutorado, fazer uma pergunta muito
sofisticada e parecer excepcionalmente sábio. Era forçar demais".
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Carência de ser |
Novo
mundos
As
rachaduras da vida de Alpert começaram a aumentar quando o legendário Timothy
Leary (então um psicólogo de Harvard, depois um profeta da contracultura da
década de 1960) tornou-se seu colega e parceiro de bebedeiras. Leary descobriu
o teonanacatyl, ou cogumelos
alucinógenos, no México, e Alpert ficou espantado com seu comentário de que
consumi-los o ensinara mais que todos os seus anos como psicólogo. Depois,
Leary e Aldous Huxley (então um professor-visitante no Instituto de Tecnologia
de Massachusetts) adquiriram uma forma sintética do cogumelo alucinógeno
chamado psilocibina, que Alpert foi convidado a experimentar.
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Timothy Leary |
A
droga causou visões em que Alpert podia ver sua vida como professor badalado
com alguma objetividade. Ele vivenciou a presença de um self atrás da fachada do seu conhecimento, o Eu da sabedoria e da
consciência atemporal. Isso era exatamente o que ele estava procurando.
O
grupo prosseguiu pesquisando estados alterados, testando a droga em outras
pessoas, mas também, frequentemente, usando-a eles mesmos. Eles perceberam que
era inútil permanecer racional sobre uma abertura da consciência que estava
mudando o modo com que eles viam o mundo, porque não havia nada, simplesmente,
na psicologia acadêmica que podia explicar as suas experiências.
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Uma vida um pouco falsa e limitada |
Alpert escreve
sobre a sensação de que tudo ao seu redor era vivenciado como indiferenciado,
um padrão de energia que vibrava, essencialmente luz, e não os objetos que
percebemos normalmente. Em tais estados, ele podia ver sua vida de professor
como um pouco falsa e limitada, e "caiu" em arrependimento. Quanto
mais tomava as drogas psicodélicas, mais irritado ficava por ter de voltar
desses mundos astrais maravilhosos para a realidade mundana.
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Mundos astrais maravilhosos |
Apert,
Leary e seus companheiros deviam parecer muito estranhos para seus colegas, e
eles começaram a ser marginalizados. Tudo culminou quando tiraram de Alpert
seus cargos acadêmicos, começando um período selvagem em que ele não mais se
sentia associado à academia e não podia achar uma maneira de manter os estados
de consciência que vivenciara.
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Apert e Leary perdem seus cargos na universidade |
Sem
volta
Quando
um rico conhecido convidou Alpert para ir numa jornada à Índia, ele agarrou a
oportunidade. A ideia era viajar num Land Rover e procurar homens santos, mas
quando isso foi combinado com fumar haxixe e LSD, Alpert sentiu-se cada vez
mais deprimido. Ele estava procurando por uma pessoa que "conhecia" –
que sabia segredos da vida interna, e não era afetado pelos problemas das
pessoas normais – mas, se tornou não mais que um turista espiritual, como
milhares de outros.
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Apenas mais um turista espiritual? |
Há
um ditado: "quando o estudante estiver pronto, o professor
aparecerá". No final da sua lucidez, Alpert estava sentado num café hippie no norte da Índia, quando entrou
um ocidental alto, de cabelos e barbas longas. Alpert sentiu instantaneamente
que esse homem, chamado Bhagwan Dass e considerado pelos locais como um guru, "sabia".
Ele veio por centenas de quilômetros só para ter um jovem californiano como seu
aluno!
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Bhagwan Dass, o viajante espiritual |
Seguindo-o
pelo país, aprendendo canções sagradas e mantras, nenhum deles com dinheiro
algum, Alpert veio a entender o que significava realmente viver no presente,
afastar-se da ideia de que os eventos da nossa vida são tão importantes. Quando
perguntou a Bhagwan Dass por quanto tempo ele achava que continuariam a viajar
por aí, ele respondeu: "Não pense sobre o futuro. Esteja aqui mesmo,
agora".
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Quanto mais silencioso você se torna, mais você pode ouvir [Ram Dass] |
Então em uma dessas viagens Bhagwan Dass levou Alpert até Maharaj-Ji que estava sentado com todos seus devotos. E como é a tradição indiana, Bhagwan Dass prostrou-se em pranam diante do homem santo, mas Alpert hesitou um pouco. E assim ele comentou seu 1º encontro com o homem que viria a ser seu guru: "Bhagwan Dass deitou-se sobre a sua barriga, no chão, tocando os pés do guru. E eu era um professor de Harvard! Não ia mexer nos pés de alguém – então Maharaj-Ji, disse-me: Vem, vem... senta-te! E começou a dizer tudo o que tínhamos andado fazendo ultimamente com nossas vidas... e esse foi o serenar do meu espírito".
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Maharaj-Ji, o guru |
Da
personalidade à consciência
Enquanto
Richard Alpert se transformava em Ram Dass (nome que significa "servo de
Deus"), que revelações ele teve? Talvez não surpreendentemente, ele
percebeu a natureza da identidade do self.
Quem somos se altera, de momento a momento, ele observou. Há muitos de "você" e
cada um é um sinal de sua identificação com um pensamento ou um desejo
particular. Nossos pensamentos tornam-se nossa personalidade, e nós
identificamos nossa personalidade, a qualquer momento, com quem somos. Mas
quanto mais somos capazes de ver esses diferentes selves afastadamente, na consciência, provavelmente eles parecem
ser ilusórios.
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Você está de pé em uma ponte observando você mesmo |
Além
da racionalidade
Dass
observou que a mente racional – que pensa – trabalha por meio da separação do
mundo em objetos; isto é, aquele que sabe é separado do que é sabido. Enquanto
muitas das conquistas da civilização não poderiam ter ocorrido sem esse nível
de pensamento, ele tem limitações. Enstein, por exemplo, notoriamente disse que
não se pode resolver os problemas de hoje usando o mesmo tipo de pensamento que
os criou. Dass notou que a mente racional encontra dificuldade em lidar com
informações paradoxais ou ilógicas, e que as notícias de grandes saltos no
conhecimento do universo usualmente mencionam que houve algum lampejo de
intuição, ou imagem da verdade, que conduziu à descoberta, e não um estado
mental analítico. Einstein admitiu: "Eu não cheguei ao meu entendimento
das leis fundamentais do universo por meio da minha mente racional".
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Nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo estado de consciência que o criou |
Tendo
vivido a maior parte da sua vida numa cultura que reverenciava a mente
racional, Ram Dass foi libertado pela ideia de que não somos simplesmente a
soma de nossos pensamentos. Com esse conhecimento, não era mais possível para
ele continuar a estudar a consciência como um observador objetivo e científico;
ao contrário, ele agora estava apto a olhar para a ciência e a psicologia como
construídas dentro da maior consciência que ele estava começando a vivenciar.
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Vivenciando uma maior consciência |
O fim daquela viagem
Cópias
antigas do livro, da década de 1970, são um pedaço de história social.
Impressos pela Fundação Hanuman, do próprio Dass, não há numeração das páginas
até o segundo terço do livro, e muito do texto está em tinta azul ou marrom.
Enquanto a primeira seção é uma narração relativamente simples da vida de
Alpert, escrita numa perspectiva ocidental, cronológica, a seção central é a
voz de um aprendiz que descobriu verdades espirituais e quer conta-las ao
mundo. Dispostas num estilo central com mantras e citações, e com ilustrações
selvagens e muitas vezes bonitas, o livro pode ser moderno demais para alguns
leitores, mas não desanime pelo uso frequente de palavras como "amor"
e "guru", e desenhos de divindades hindus. Isto é, de fato, elemento
central do livro, e, se você estiver com o estado certo de consciência, ele
pode leva-lo através de uma "viagem" poderosa.
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Confie e deixe-se ir |
A
parte final de Be Here Now, "Livro
de receitas para uma vida sagrada", representa o amadurecimento dos
experimentos de Dass com sadhana, ou
prática espiritual, e segue através de todo meio possível de revelação, de
meditação a jejuns. Ao discutir os altos e baixos do sadhana, Dass nota que, depois de uma revelação, você pode se
sentir desesperado a voltar ao que você sente ser seu antigo eu – um caso de um
passo para frente, dois para trás. Mas conforme você se torna mais leve
espiritualmente, sua maior pureza trará aspectos mais "sujos" à
superfície.
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Você mais leve espiritualmente |
A maioria das pessoas no caminho espiritual começa por dar certa
quantidade de tempo ou energia a assuntos espirituais, mas então percebe que
toda a vida é uma questão espiritual e não há nada que não seja. A outra
conclusão de Dass é evitar levar-se a sério demais: conforme você se eleva na
cadeia alimentar da consciência, o tamanho verdadeiro do seu ego é revelado, e você têm de ser capaz de rir das suas próprias vaidades.
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Ram Dass, ainda aqui |