quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Indícios

Que tal conversamos um pouco sobre a vida? Esse período de tempo que decorre desde o nascimento até a morte dos seres! Esse presente extraordinário que recebemos de Deus; sim de Deus, porque enquanto não provarem que viemos de outro lugar, eu prefiro vir de um Ser*, Onipotente, Onipresente e Onisciente do que do macaco – e não é nada contra o simpático símio, apenas uma questão de ego.

Neste período entre nascermos e morrermos acontecem coisas incríveis, mas que muitas vezes tratamos como comuns. Como exemplo, a gestação e o nascimento de uma criança. Incrível não? O homem ainda não conseguiu reproduzir isso em laboratório.

São incríveis também algumas situações que levam as pessoas a perderem este presente extraordinário, chamado vida. Muitas vezes, uma bala perdida, um bêbado na contramão, uma doença inexplicável ou simplesmente um vazio no coração; causado por tantos motivos, que para quem olha de fora, podem ser considerados banais.

Há um pequeno conto no livro Maktub, de Paulo Coelho, em que o autor revela ter saído de um almoço com um amigo padre – em uma época em que a espiritualidade do mago não era tão acentuada – e ao andarem pela rua avistaram um mendigo. Ao ver o indigente o mago olhou para seu amigo e o inquiriu, mais ou menos desta forma: "O que anda fazendo seu Deus, que deixa aquele homem viver naquela situação?" – e o amigo padre respondeu: "Ele está colocando aquele homem diante de você, para que você possa fazer alguma coisa!".

Existe também, aqui na minha cidade natal, uma história que já não sei se é verídica ou se é uma lenda urbana, sobre um jovem médico, que ao invés de ter uma carreira brilhante como todos esperavam, tornou-se mendigo.

Conta a história, que ele estudou medicina por 6 anos, realizou residência por mais 2 anos e uma especialização internacional, com total entrega e desprendimento, fazendo com que ele se distanciasse um pouco de sua família. Já formado e com consultório montado, aconteceu de num belo dia ele receber um telefonema da casa de sua mãe, chamando-lhe, pois seu irmão gêmeo estava tendo um ataque. O jovem médico "voou" para casa da mãe e se esforçou ao máximo para salvar a vida do irmão, mas mesmo com toda sua formação e conhecimento, não houve como salvá-lo.

Este acontecimento foi um choque tremendo na vida do jovem médico, que passou a perambular pelas ruas, perdido, carregando coisas penduradas ao corpo, como se ele precisasse sentir o peso de sua consciência em seu próprio corpo. Depois de muitos anos, nunca mais o médico mendigo foi visto pela cidade. Ele "perdeu sua vida" juntamente quando o irmão morreu.

Mas que peso era esse que ele carregava? Será que sua consciência o condenara por não ter conseguido salvar o irmão? Será possível mensurar o vazio de uma perda? E se estamos conversando um pouco sobre a vida, o que tem haver estas duas histórias de mendigo?

Talvez seja apenas um indício, para cuidarmos melhor deste presente que recebemos. Quem sabe seja para olharmos com olhos mais diligentes o presente que os outros receberam. Pode ser que seja, para aproveitarmos melhor a grandiosidade de compartilhar estes nossos presentes.

Jucks escreveu uma parábola confessional sobre isso:

Longe do passado

Na escuridão da noite ele procura abrigo.
Seus olhos avermelhados demonstram cansaço,
e também um hábito que se tornou freqüente em sua vida.
Não há mais onde se esconder;
não há mais para onde fugir.
Seu espírito está fraco, seu corpo estraçalhado;
suas vestes são apenas alguns panos pretos que roubou
e um agasalho esboçou.
O cheiro de seu corpo não é mais de perfume francês;
seu rosto já não é mais o mesmo
que ele cuidara tanto nos anos anteriores.
Hoje ele reza por um sabonete
e por um misero cuidado de antes.
A morte já o rondou várias noites;
e agora, o outrora homem rico,
sente o fardo que ele se recusava ver.
Nas noites frias de inverno,
sem abrigo, sem roupa ou comida,
ele se encolhe como um caracol
na tentativa de se aquecer.
Uma fogueira às vezes ajuda,
mas quando os policiais o pegam
há pouco a fazer.
Uma das coisas mais fáceis de acontecer,
é suas memórias emergirem
e o amargo gosto da derrota e traição
arrebatarem seu coração.
Nas noites frias de inverno, nas mais frias,
ele é capaz de atos de extremo desespero;
atos jamais pensados por ele
quando se encontrava sob pilhas de cobertores,
numa cama confortável.
Ele urina nas próprias calças buscando amenizar o frio;
buscando no calor de seu próprio corpo, algum alento.
Ato em vão, que só serve para deixá-lo mais gelado,
com os farrapos e o corpo mais fedidos e mal tratados.
Se alguém há alguns anos lhe dissesse,
que existem pessoas que urinam nas próprias calças
para se aquecer do frio, ele iria apenas rir da situação.
Coisa que hoje, só serve para apertar-lhe mais o coração.
Um dia desses ao lhe dar uns trocados,
uma senhora o olhou bem e indagou:
"Por que você não vai trabalhar? Um homem forte como você!"
Ele apenas respirou e nada conseguiu responder.
No dia seguinte foi à procura de um trabalho;
mas quem daria emprego a alguém que cheira urina
e tem nos olhos a cor do vício.
Só nos braços da noite e no calor das garrafas
ele se conforta com outros que vivem como ele.
Seus trocados adquiridos como pedinte,
propiciam-lhe algo bom para aquecer o lugar vazio
em que já habitou um coração;
coração que agora ele sabe,
era tão vazio quanto o vazio que sente.
Ele sabe que poderia comprar pão e leite,
mas nenhum dos dois o aqueceria,
nem o faria esquecer o que está passando;
tão bem quanto um forte e barato conhaque.
Porém o álcool não tem efeito permanente
e na manhã seguinte sua realidade está presente.
Ainda com os olhos embaçados e cabeça latejando,
ele toma a decisão de por fim a realidade que o tem atormentado.
Ele elege os trilhos do trem como sua passagem,
eles serão sua mudança de vida, de uma vez por todas.
Boa sorte, Sr. Ninguém de Lugar Nenhum,
será uma longa viagem!


* Neste caso, é O Ser; Aquele que exprime toda existência, Aquele que É toda existência.

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