domingo, 29 de novembro de 2009

Recordação presente

Certa vez, durante a nossa adolescência, Jucks foi a uma confraternização acompanhar nossos pais e outros amigos. Entediado como todo bom adolescente, ele saiu para procurar algo que gastasse um pouco de sua energia, o que não encontrou. Aborrecido se sentou próximo a um playground em que praticamente todas as crianças da festa estavam.

Alguns minutos depois chegou um menino carequinha que lhe perguntou: "Quer ser meu amigo?". Jucks olhou intrigado para o menino, mas decidiu que talvez empurrar um pouco o pequeno em um balanço, fosse um bom passatempo.

O menino ficou extremamente satisfeito com a brincadeira, que durou até a mãe do menino partir desesperada do salão em direção ao balanço. Ela parou o filho quase que num solavanco, olhou para Jucks e disse: "Ele não pode se exceder. Desculpe-me!" – e subiu de volta para o salão, puxando o menino pelo braço, que apenas chorou timidamente.

O poeta não entendeu muito bem a reação da mãe, mas depois descobriu o motivo de tamanha preocupação. Naquela noite, já de volta em casa, ele decidiu escrever sobre a rápida experiência que tivera no fim da tarde, e sobre o que ficou sabendo sobre o menino.

Assim surgiu o pequeno conto:

Memórias de um bloco de notas

Sentado em um banco próximo ao parquinho das crianças, no Clube de Cultura Artística, o rapaz apreciava o movimento, quando de repente um garotinho sorridente, com não mais que dez anos, se sentou ao lado dele e puxou conversa:
_ Oi! Quer ser meu amigo?
O rapaz apenas olhou a garotinho e pensou consigo: "Pentelho!" – mas não disse nada.

Diante do silêncio do rapaz, o garotinho ajuntou:
_ Acabei de sair do hospital! – seus olhos baixaram fitando as pedrinhas no solo e ele continuo – Ouvi o médico contar pra minha mãe que estou morrendo. Será que você gostaria de ser meu amigo? – insistiu sorrindo.
O rapaz olhou espantado o menino, e levando a mão ao bolso, pegou um bloquinho no qual escreveu: "Eu sou mudo!".
O menino olhou o papel, passou o dedo sobre as palavras, lendo-as vagarosamente e disse sorridente:
_ Tudo bem, eu não tenho mais cabelos!
O rapaz, sem entender o que o garotinho quis dizer, sacudiu a cabeça e escreveu: "Não entendi!".
O menino olhou o parque de fora a fora, todas as outras crianças brincando, os animadores de festa, então olhou novamente para o rapaz e disse:
_ Olha, não é por que te falta algo, ou você não pode fazer alguma coisa, que você é diferente. – o menino encolheu os lábios apertando-os um no outro e continuou – Ó só! O médico não quis me contar, mas ouvi quando ele falava com minha mãe que minhas chances de viver são mínimas; estou morrendo. Às vezes dói, mas hoje está tranqüilo. Você não pode falar, mas olha aquele cara – apontou para o mímico que brincava com as pessoas – viu? Ele pode falar, mas prefere se comunicar através dos gestos e quase sempre eles demonstram mais do que simples palavras. E aí, topa brincar? – perguntou sorrindo.
Sem mais nenhuma dúvida, eles brincaram a tarde toda.
Quando se sentaram para descansar e aproveitar para ver o sol que se punha, o garotinho perguntou ao rapaz:
_ Você vai ao meu enterro?
O rapaz ficou sem saber o que responder, mas a pergunta foi feita de forma tão natural, que só uma resposta lhe veio à mente. Então pegou o bloquinho e nervoso escreveu: "Sim, é claro que eu vou!" – o que tirou um sorriso discreto do menino.
Com o bloquinho em mãos o rapaz rabiscou: "O que você mais gostaria de ter?"
O garotinho fechou um olho e torceu os lábios como se pensasse, e respondeu:
_ Ah, nada! Já tenho o que eu queria!
O rapaz rabiscou novamente e perguntou: "O quê?".
_ Um amigo! – respondeu o garotinho passando o braço por cima do ombro do rapaz.

Daqui em diante, só o rapaz e seu bloquinho podem contar:

Com essas palavras eu senti uma coisa estranha no peito, meus olhos ficaram embaçados com as lágrimas e a única reação que tive foi abraçá-lo. Ele pegou minhas mãos, secou minhas lágrimas com a camisa e disse: "Não tem porque você chorar. Deixa que eu choro quando for à hora; minha amiga enfermeira disse que todo mundo vai embora um dia, ó só, até o sol está indo agora. Enquanto você for meu amigo e se lembrar de mim, eu vou estar aqui. Você me deu algo muito importante hoje e me fez muito feliz.".
E meu bloquinho perguntou por mim: "O que eu te dei, além de algumas horas de brincadeira?" – e nisso a mãe dele gritou chamando-o do salão de festas, mas antes de ir, ele me respondeu: "Sua amizade, que com amor guardarei pelo resto da minha vida!"

Uma semana depois ele foi embora; hoje ele tem um lugar especial no meu coração e jamais esquecerei aquele sorriso. Nesta vida eu desejei tantas coisas; mas como desejei dizer: "Adeus amiguinho!". Mas mesmo que eu pudesse falar, esse nó na minha garganta não ia deixar.

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